Transparência é chave para combater corrupção

A crise de confiança e legitimidade que assola as instituições – sobretudo no caso brasileiro – abala ainda mais a confiança das pessoas no Estado e nas políticas públicas: saúde, educação, saneamento, meio ambiente

Pouca gente acredita que os governos estão fazendo o melhor que podem. Isso gera na sociedade turbulência e instabilidade. Nessas horas, a transparência pode ser uma chave, inclusive para o combate à corrupção sistêmica instalada no país. Pilar da democracia, a transparência é irmã da prestação de contas que os governos devem aos cidadãos. A informação pública clara, correta e disponível a todos é um meio para restaurar a desgastada relação entre poder público e o homem comum. Parece difícil. E é.

Mas há quem acredite e trabalhe muito para que essa seja uma prática amplamente adotada no Brasil. É o caso de Laila Bellix, fellow em Governo Aberto pela Organização dos Estados Americanos (OEA) e membro da Agenda Pública, uma entidade que atua para fortalecer a gestão pública. Gestora de Políticas Públicas pela Universidade de São Paulo, ela explica nesta entrevista que novos ventos são esses que começam a soprar pelo Brasil. Leia os principais trechos.

Por que o tema da transparência é oportuno neste momento da vida nacional?

Primeiro porque não dá para falar em resgatar a democracia se não falarmos de transparência e accountability do poder público. Segundo porque ela possibilita uma nova relação entre o cidadão e o Estado. É assim: na medida em que você tem informações disponíveis e acessíveis a todos, as assimetrias diminuem, a possibilidade de intervenção nas políticas aumenta e pode haver melhora nas políticas públicas. Ou seja, você qualifica o Estado e a sociedade para produzir saídas aos problemas públicos que estão postos para nós hoje.

Quais as chaves para entender esse tema?

A primeira é entender que transparência é um direito reconhecido internacionalmente. Acessar uma informação pública é um mecanismo de transparência e isso está previsto na Lei de Acesso à Informação [Lei Federal nº 12.527]. A segunda chave é a da política pública. Para que esse direito se concretize, é necessário que os governos federal, estaduais e municipais estruturem políticas articuladas e intersetoriais para garantir que haja transparência de fato, não só no papel, para a população. Nesse caso, é fundamental existirem servidores públicos sensibilizados e com capacidades desenvolvidas para atender essa política. A terceira é pensar que transparência deve ser política de Estado e isso envolve os três poderes da república (executivo, legislativo e judiciário).

Como o Brasil está no quesito transparência em relação a outros países?

Nos últimos anos, o governo federal avançou, desde a criação do Portal da Transparência, passando pela Lei de Acesso à Informação, Portal e política de dados abertos. Foi membro fundador da Parceria para o Governo Aberto (OGP em Inglês) que assumiu mundialmente compromissos com a transparência pública. No entanto, ainda há muito o que caminhar. É preciso se desenvolver no uso de linguagem cidadã, na abertura e reuso de dados pela sociedade, na formação da sociedade e de gestores. Além disso, é preciso caminharmos para a transparência em municípios e nos demais poderes como o Legislativo e o Judiciário.

Quais os principais instrumentos para garantir acesso aos dados e políticas de governo?

A Lei de Acesso à Informação, conhecida pela sigla LAI, é valiosa para a sociedade. Com base nela, é possível solicitar qualquer informação pública nos serviços de informação ao cidadão, tanto eletrônicos quanto presenciais, e o órgão público tem prazo para responder em até vinte dias, prorrogáveis por mais 10, com possibilidade de recursos. Isso representa um avanço para o que chamamos de política de transparência passiva. Já na publicação de dados e informações ativas [quando o órgão público divulga espontaneamente os dados], temos os Portais da Transparência e de Dados Abertos, além dos oficiais. Um outro instrumento – extremamente árido, mas fundamental – é o próprio Diário Oficial, onde são publicados todos os atos do governo.

Alguns setores do governo federal vão melhores que outros nesse campo. Onde estão as melhores experiências?

Em linhas gerais, a Controladoria Geral da União (CGU) tem feito um trabalho muito sólido junto aos órgãos do governo federal. Por isso, é possível notar que os órgãos têm respondido aos pedidos. E a taxa resposta é alta. Apesar de haver negativas, há padronização de templates dos sites oficiais para disponibilizar informações ativas, há um avanço na abertura de dados com a Política Nacional de Dados Abertos. Segundo a avaliação da CGU, 76% das bases de dados previstas foram abertas, o que mostra um esforço mais geral.

E as mais lamentáveis?

Apesar de ter falado dos avanços, há casos que são alarmantes. Informações relacionados ao CAR [Cadastro Ambiental Rural instituído pelo novo Código Florestal] e que deveriam estar abertas não estão. Até a agenda do presidente em exercício que não reflete as suas reuniões e encontros paralelos, os inúmeros institutos federais que ainda não abriram seus dados, as respostas incompletas de alguns órgãos. Acho que essas questões mostram que, embora tenha muitos servidores engajados, a mudança de cultura política e organizacional que a transparência exige deve ser estrutural.

Esta cultura está disseminada nos estados?

Não tanto quanto deveria. Existe um gargalo nessa política que é a sua relação federativa. Ou seja, o governo federal avançou, mas isso não se reflete nos estados e municípios. Evidente que há disparidades e exceções, com boas agendas de transparência estadual e municipal. Mas ainda precisamos avançar mais, sobretudo para os pequenos municípios. Defendo que a CGU tenha uma política mais articulada e que forneça maior apoio para esses entes.

Transparência é um tema apenas para os governos?

De modo algum. Temos visto a necessidade de falar de transparência e compliance [compromisso, em tradução livre] para a iniciativa privada, sobretudo após as evidências de que a corrupção é o desvirtuamento de uma relação entre público e privado. Então, a transparência deve ser tema fundamental para iniciativa privada, partidos políticos, organismos internacionais, organizações da sociedade civil e todos aqueles que produzam impacto na vida em sociedade e, portanto, sejam de interesse público.

E como fazer para que esse debate apareça nas discussões que virão com as eleições de 2018?

Acho que o tema da corrupção, muito embora esteja contaminado e desvirtuado da sua essência, será central nos debates de 2018. Todavia, temos de apontar caminhos nessa discussão. Além de reformas estruturais, devemos pensar em como fortalecer o papel do Estado como articulador e agente promotor de políticas públicas que reduzam a terrível desigualdade que nos assola. E a transparência deve entrar aí, como forma de aprimorar o Estado e as políticas públicas, estabelecer relações menos desiguais entre os cidadãos e garantir o direto ao acesso à informação, expressão e memória. Não podemos renegar esse debate e devemos qualificar nossa discussão.


por Jaime Gesisky Via WWF

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