Cruzamentos: será que estamos seguindo no caminho certo?

Olhando a internet e alguns grupos de discussão em aplicativo de mensagens, muitas vezes já me peguei pensando “o que será que essa pessoa estava querendo quando cruzou esses animais?”

Sem criticar ninguém, mas talvez seja um olhar mais crítico e analítico que esteja faltando na nossa pecuária de cria. Quantas vezes presenciamos criadores de cachorros querendo fazer os cruzamentos mais malucos só pra ver no que dá. Já vi muita gente cruzando cachorro fila com dobermann só para conseguir uma animal mais bravo ainda. No fim, termina sacrificando o animal porque ele atacou alguém da família. Aí eu me pergunto “mas não era isso que você queria, um animal feroz?”.

bezerros cruzamento industrial

Na pecuária não é diferente

Vira e mexe aparece alguém inventando algum cruzamento, sem nenhum embasamento científico, e já coloca no mercado como a reinvenção da roda. Antes de qualquer coisa, será que esse cruzamento recém inventado oferece o que a nossa indústria de carnes quer e o que o nosso clima comporta? Geralmente, não.

Eu trabalho com o Montana, um animal composto muito bem planejado e muito bem executado desde o seu início. Geneticamente avaliado e que conquista avanços palpáveis ao longo dos anos. Ao invés de usar o pacote pronto, muitos preferem criar os seus compostos. Já vi compostos de Nelore + Aberdeen Angus + Charolês + Canchim, ou seja, charolês ao quadrado.

Será que uma raça continental tão tardia e tão grande é a solução para os cruzamentos?

Mais recentemente tomei conhecimento de um composto de Nelore + Caracu + Blonde d’aquitane. Novamente me pergunto se o Blonde é a raça mais adequada para trabalhar no Mato Grosso?

Que fique claro que o meu objetivo não é criticar nenhuma raça, apenas levantar alguns questionamentos. Exatamente por trabalhar com o composto montana, sempre digo que todas as raças tem o seu porquê e a sua aplicação. Penso que não existem melhores ou piores raças e sim melhores ou piores indivíduos dentro de cada raça.

Já vi técnicos renomados indicando os cruzamentos mais complicados até mesmo em publicações em revistas. Desses fáceis de realizar, principalmente com a mão de obra disponível nos cafundós do nosso país, pegando a raça A, cruzando com B, obtendo AB. Em parte de AB você usa a raça C, em outra parte você usa a raça D. Obterá ABC e ABD. Depois em parte você cruza ABC com ABD entre si, e em outra parte você usa a raça E como terminal. No meio disso tudo você precisa manter seus rebanhos puros de A e B, repondo touros puros para também atender a esses rebanhos. Fácil de controlar, né? Mesmo com meus anos de experiência, acho que seria difícil de controlar mesmo que cada um dos 5 rebanhos fiquem em 5 fazendas diferentes.

Depois de ler a matéria e tentar entender qual era o objetivo destes cruzamentos todos, percebi que o interesse não era a geração de heterose, nem o ganho de peso, nem a adaptação ao clima tropical e nem a carne de qualidade. O objetivo óbvio é a venda de sêmen!

Infelizmente temos o costume de comprar o pacote pronto, sem questionar as verdadeiras razões para algumas coisas, muitas vezes motivados pela moda ou por um marketing agressivo.

Alguém já leu que uma boa mentira contada várias vezes passa a ser verdade?

Em 2016 ainda vejo touros sendo vendidos sem nenhuma avaliação genética. Vejo touros sendo vendidos sem nem ter participado de uma provinha de ganho de peso (tecnologia de 1930). Gente pagando caro em leilões onde as únicas informações no catálogo são peso, perímetro escrotal e pai. Vejo doadoras sendo vendidas sem nunca ter parido na vida! Campeões de venda de sêmen que nunca tiveram filhos avaliados em nenhum programa de melhoramento.

Se a avaliação genética e o teste de progênie são as ferramentas mais acessíveis para determinar a qualidade do animal, gerar acurácia às informações, o pessoal insiste em dar tiros no escuro. Uma continha simples: essas doadoras sem partos costumam ser vendidas por uns R$ 30mil de média (não vou incluir comissão da leiloeira, frete e custos para aspirações e etc), essa fêmea custou quase 11 bois gordos!

A sugestão, como sempre, é olhe para a sua fazenda como a sua empresa, para a sua pecuária como o seu negócio e enxergue os fatos com olhos analíticos, faça perguntas e construa a sua própria opinião.

gabriel giacomini

Gabriela Giacomini é zootecnista pela Unesp/Jaboticabal e gerente de Operações do Programa Montana

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