
Entre as etapas do sistema, a fase de cria, merece atenção, pois nesse período são gerados os bovinos destinados ao abate.
A pecuária nacional é importante fornecedora de proteína bovina para diversos países. No entanto, ainda deve aprimorar a eficiência produtiva, com foco na melhoria dos índices zootécnicos. Entre as etapas do sistema, a fase de cria, merece atenção, pois nesse período são gerados os bovinos destinados ao abate.
Na cria, a taxa de desmame é o principal indicador, por expressar a relação entre o número de bezerros desmamados e o número de vacas do rebanho. O ideal é a taxa de um bezerro desmamado por vaca ao ano, o que exige maximizar o número de nascimentos, e garantir a sobrevivência dos bezerros até o desmame.
Entre as principais causas das perdas na cria, a diarreia neonatal bovina destaca-se, juntamente com as doenças respiratórias, como uma das enfermidades relevantes economicamente. A ocorrência da diarreia tende a ser mais elevada em rebanhos que utilizam inseminação artificial em tempo fixo (IATF) e estação de monta, devido à concentração dos partos em um curto período do ano, o que favorece a disseminação de agentes infecciosos.
Na pecuária de corte, a morbidade pode variar de 10,0% a 50,0%, enquanto as taxas de mortalidade oscilam entre 5,0% e 15,0%. Em sistemas bem manejados, a mortalidade costuma se manter próxima de 3,0%, mas pode atingir até 60,0% em propriedades com falhas de manejo sanitário e nutricional. A perda de um bezerro saudável significa a perda de uma futura vaca para a reprodução ou de um boi para engorda, afetando a produtividade em longo prazo.
As infecções entéricas em bezerros são doenças multifatoriais, resultantes da interação entre fatores genéticos, ambientais e infecciosos. Além disso, observa-se uma relação entre a prevalência dos agentes infecciosos e a idade dos bezerros, sendo que alguns patógenos se manifestam com maior frequência na primeira semana de vida, enquanto outros tendem a predominar após o primeiro mês (tabela 1).
Tabela 1.
Relação entre prevalência de agentes e a idade dos bezerros.
Enteropatógeno | Idade (dias) |
---|---|
Escherichia coli enterotoxigênica | < 3 |
Rotavírus | 5-15 |
Coronavírus | 5-21 |
Cryptosporidium | 5-35 |
Salmonella sp. | 5-42 |
A ocorrência de diarreias afeta o ganho de peso e altura dos bezerros. Wittum et al. (1994) constataram que a diarreia durante o período neonatal resultou em uma redução de 10,7kg no peso ao desmame. Além disso, Donovan et al. (1998) previram uma redução no ganho de peso de 9,1kg em 180 dias para bezerras que foram tratadas para diarreia neonatal. Bovinos mal desenvolvidos requerem mais serviços para conceber, tendem a parir tardiamente e, posteriormente, apresentam desempenho menos eficaz.
Lacerda (2014), em estudo conduzido com bovinos de corte entre 2012 e 2013, observou que os custos relacionados ao tratamento da diarreia neonatal variaram de R$349,82 a R$3.229,08, evidenciando o impacto econômico dessa enfermidade nos sistemas de produção.
Uma das estratégias para a prevenção da diarreia neonatal é a vacinação das vacas no pré-parto. O objetivo é elevar a concentração de imunoglobulinas específicas no colostro, garantindo a transferência de imunidade passiva aos neonatos. Isso é essencial, pois os bovinos nascem agamaglobulinêmicos (sem capacidade de produzir imunoglobulinas) e desenvolvem uma resposta imune ativa de forma lenta e gradual.
Não é possível definir um valor único que represente a eficácia da vacinação pré-parto, uma vez que seus resultados dependem de diversos fatores, como o tipo de antígeno presente na vacina, a pressão de infecção no rebanho, a ingestão do colostro, a genética dos animais, as condições sanitárias, além da dose e do momento da vacinação.
Em análises de Cornaglia et al. (1992), foi relatado que, em diferentes anos, a morbilidade por diarreia em bezerros de vacas vacinadas foi 34,0% versus 77,0% em vacas sem vacinação; 23,0% versus 47,0%; e 15,0% versus 34,0%, dependendo do ano.
Em estudo publicado por Pinheiro et al. (2022), bezerros de vacas vacinadas apresentaram incidência de diarreia de 18,6%, contra 29,3% nos bezerros de vacas não vacinadas. Ou seja, houve uma redução absoluta de aproximadamente 10,7 pontos percentuais na incidência de diarreia.
Embora essa diferença possa parecer modesta em termos percentuais, ela representa ganhos econômicos significativos quando considerada em escala de rebanho, devido à redução de perdas produtivas e custos com tratamentos.
Mas, afinal, compensa vacinar as matrizes?
Para responder a essa pergunta, vejamos as simulações a seguir:
Em duas propriedades de cria, denominadas A e B, cada uma com 1.000 vacas em reprodução e com uma taxa de parição de 85,0%, ou seja, com nascimento de 850 bezerros por ano. O produtor da propriedade A optou por não vacinar preventivamente as matrizes no pré-parto, enquanto o produtor da propriedade B adotou a vacinação como medida preventiva contra a diarreia neonatal bovina.
A adoção da vacinação pré-parto, que, segundo Pinheiro et al. (2022), reduz em 10,7 pontos percentuais a incidência de diarreia neonatal, evitaria cerca de 91 casos por ano no rebanho da propriedade B. Na propriedade A, que optou por não vacinar, esses 91 bezerros a mais ficariam suscetíveis e, na prática, a maioria demandaria tratamento e, em alguns, resultar até mesmo em óbito.
Em setembro, o preço médio de um frasco de 100ml da vacina preventiva foi de R$79,39, segundo levantamento da Scot Consultoria. Considerando a primovacinação, que deve ocorrer em duas etapas, utilizando 2ml por vaca em cada etapa, o custo na propriedade B, considerando todas as vacas gestantes, seria de R$3,17 por vaca, totalizando R$2.699,26 para o rebanho no primeiro ano. Após a primovacinação, a recomendação passa a ser 2ml por vaca gestante anualmente, resultando em um custo de R$1,60 por vaca, ou R$1.358,30 para o rebanho.
No caso da propriedade A, supondo que houve um acometimento de 91 bezerros (peso médio de 35,0/kg), e será necessário realizar o tratamento desses animais. Considerando apenas o antibiótico utilizado, e supondo que o proprietário opte por um medicamento à base de sulfadoxina e trimetoprima para o combate à Escherichia coli, o preço médio de um frasco de 50ml, em setembro, foi de R$77,27 em setembro, segundo levantamento da Scot Consultoria.
De acordo com o fabricante, a dose de referência é de 3ml para cada 50kg de peso, em dose única. O gasto seria de R$3,24 por bezerro, totalizando R$295,32 para o tratamento de todos os animais acometidos.
É importante destacar que outros custos associados ao tratamento da diarreia neonatal – como o dia do vaqueiro, seringas, agulhas, fluidoterapia e, em casos de resistência ao princípio ativo, a necessidade de um novo tratamento com outros medicamentos – devem ser considerados, aumentando o custo total da intervenção.
Os resultados tornam-se exuberantes ao se considerar a redução da mortalidade de bezerros, já que nem sempre o tratamento consegue evitar o óbito dos animais. Se a vacinação reduzir a mortalidade média de 9,0% para 6,0%, aproximadamente 25 bezerros seriam salvos por ano. Considerando que o produtor venda esses animais aos oito meses, com base no preço médio de outubro (até 14/10) de desmama em São Paulo, de R$2.572,49 por bezerro, esse impacto representaria um ganho adicional de aproximadamente R$64,3 mil para o rebanho.
Além do impacto econômico, a vacinação pré-parto contribui para o fortalecimento do status sanitário do rebanho e melhora os índices produtivos ao reduzir a incidência de doenças neonatais, que comprometem o desempenho e o ganho de peso dos bezerros. No entanto, seus benefícios só serão plenamente alcançados se o bezerro conseguir mamar o colostro dentro das primeiras horas de vida.
Dessa forma, o uso da vacina deve ser visto não como um custo adicional, mas como uma prática de manejo preventivo capaz de melhorar a eficiência reprodutiva e produtiva do sistema de cria.
Fonte: Scot Consultoria
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ℹ️ Conteúdo publicado por Myllena Seifarth sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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