Vídeo viral manipulado usa IA, recortes fora de contexto e falsas acusações de que o governo teria enviado gado para a venezuela, afim de atacar ações na Terra Indígena Apyterewa, no Pará.
A circulação de um vídeo nas redes sociais afirmando que o governo federal enviou 10 mil cabeças de gado para a Venezuela reacendeu um debate urgente sobre desinformação no campo. As imagens — que incluem uma suposta apresentadora de telejornal, depoimentos manipulados e até falas do biólogo Richard Rasmussen — são conteúdo forjado, construído com inteligência artificial e edições fraudulentas. A narrativa busca associar o Ibama e o governo federal a um suposto roubo de gado de pequenos produtores da Amazônia, algo que não ocorreu.
As investigações e os registros oficiais confirmam: não houve envio de gado apreendido para Venezuela, Cuba ou qualquer outro país. Os animais mostrados no vídeo eram parte de um rebanho criado ilegalmente dentro da Terra Indígena Apyterewa, por invasores que ocupavam a área de forma irregular.
O vídeo enganoso mistura:
- Imagens de telejornal com falas geradas por IA, segundo análise da Hive Moderation, que atribuiu mais de 80% de probabilidade de fabricação artificial.
- Depoimentos de supostas vítimas com mais de 99% de chance de terem sido produzidos por IA.
- Recortes de um documentário envolvendo Richard Rasmussen, editados de forma a sugerir que ele confirmaria apreensões injustas — algo que o próprio biólogo desmentiu publicamente.
A legenda do vídeo afirma: “Ibama da Marina e do Lula envia gado roubado de pequenos agricultores para Cuba e Venezuela”. A narrativa ganhou tração no TikTok, onde o conteúdo fraudulento ultrapassou 28 mil curtidas.
A Terra Indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu (PA), foi homologada em 2007 e é ocupada pelo povo Parakanã. Entre 2019 e 2022, foi a área mais desmatada da Amazônia. Em 2023, após sucessivos pedidos do Ministério Público Federal desde 2009, o Supremo Tribunal Federal determinou a desintrusão, ou seja, a retirada de invasores.
As operações confirmaram:
- Existência de 177 imóveis rurais ilegais dentro da área.
- Criação clandestina de cerca de 70 mil cabeças de gado por posseiros e invasores.
- Rotas de “lavagem de gado”, em que os animais eram transferidos para fazendas legalizadas para ocultar a origem ilícita.
Esse foi o foco da operação Boi Pirata, da Polícia Federal e do MPF, em novembro de 2024.
O Ibama esclarece que o destino do gado apreendido em áreas protegidas é sempre local, nunca internacional. A carne proveniente dos animais retirados da Apyterewa foi:
- Abatida pela Adepará;
- Doada à Funai;
- Distribuída a aldeias indígenas, casas de apoio e instituições socioassistenciais da região.
O órgão destaca que jamais enviou animais apreendidos para países estrangeiros.
Em março de 2024, a Adepará registrou oficialmente a doação de 1,2 tonelada de carne à Funai, cumprindo a determinação do STF.
O biólogo Richard Rasmussen apareceu no vídeo, mas o recorte é fraudulento. Seu conteúdo original, publicado em 19 de novembro, tratava apenas dos impactos da desintrusão para famílias que ocupavam irregularmente a área — sem qualquer menção ao envio de gado à Venezuela.
Ele denunciou a manipulação:
“É falso, é uma mentira, uma calúnia. Nem falo sobre gado, e sim sobre desintrusão em terra indígena.”
Outro ponto central da desinformação é a apresentação de um trecho de telejornal, supostamente anunciando envio de “10 mil bovinos para a Venezuela”. O vídeo:
- Não tem registro de origem;
- Usa uma apresentadora inexistente, que não aparece em nenhuma outra fonte;
- Apresenta características fortes de síntese por IA, segundo análise frame a frame.
Também é falsa a alegação de que o Brasil teria enviado “30 mil cabeças de gado para Cuba”, narrativa desmentida anteriormente em outra checagem.
A única exportação de gado para a Venezuela registrada na história recente ocorreu em 2008, envolvendo bovinos e búfalos enviados pelo Brasil e Uruguai — fato sem relação com apreensões ambientais ou ações atuais do governo.
Desinformação no campo cresce em momentos de grande visibilidade pública — como a COP30, que será realizada em Belém (PA) — explorando medo e insegurança de pequenos produtores. O vídeo também se aproveita da sensibilidade em torno de ações de fiscalização e da complexidade das operações de desintrusão.
Especialistas alertam que o uso de IA generativa para fabricar trechos jornalísticos, depoimentos e imagens é hoje uma das maiores ameaças à comunicação no meio rural, criando narrativas que circulam rapidamente antes que a checagem desminta.
As investigações oficiais deixam claro:
- Os animais não pertenciam a pequenos produtores, mas sim a invasores ocupando ilegalmente uma Terra Indígena.
- Nenhum gado foi enviado para Venezuela, Cuba ou qualquer outro país.
- A carne foi doada localmente, conforme ordem do STF.
- Trechos do vídeo são falsos, manipulados ou gerados por IA.
A desinformação tenta transformar uma ação de cumprimento da lei — a desintrusão de uma Terra Indígena — em uma narrativa de perseguição a produtores rurais.
A Constituição garante:
- A demarcação das terras indígenas;
- Que essas áreas são patrimônio da União;
- Que a exploração econômica por não indígenas é proibida.
Por isso, a criação de gado dentro da TI Apyterewa por posseiros é ilegal e estava sujeita à apreensão conforme determinação judicial.
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