
Compreender o que vai na cerveja é entender a ciência e a tecnologia por trás da produção de matérias-primas de alta performance
A cerveja, uma das bebidas mais consumidas globalmente, representa o ponto final de uma sofisticada cadeia de valor do agronegócio. Para o consumidor, o que importa é o sabor, o aroma e a refrescância. Para o profissional do campo e da agroindústria, no entanto, a análise é muito mais profunda. A qualidade de uma cerveja não é definida apenas dentro da cervejaria; ela é, antes de tudo, o reflexo direto da excelência dos seus ingredientes, cuja jornada começa na lavoura.
Compreender o que vai na cerveja é entender a ciência e a tecnologia por trás da produção de matérias-primas de alta performance. Este artigo se propõe a desvendar, sob uma ótica técnica e agrícola, os componentes essenciais da bebida. Abordaremos como as características da cevada, a seleção do lúpulo, a performance da levedura e o uso estratégico de adjuntos estão diretamente ligados às práticas no campo e determinam o sucesso do produto final.
O Coração da Cerveja
A espinha dorsal de qualquer cerveja é o malte. É ele quem fornece os açúcares que serão transformados em álcool e gás carbônico, além de definir a cor, o corpo e grande parte do sabor da bebida. E tudo começa com a cevada. Para que um grão de cevada se torne apto para a brassagem (o cozimento dos grãos), ele passa por um processo controlado de germinação e secagem chamado malteação.
Aqui, o papel do agricultor é fundamental e altamente técnico. A indústria cervejeira não compra qualquer cevada; ela busca grãos que atendam a padrões rigorosos. O teor de proteína, por exemplo, é crucial e deve ser controlado na lavoura, situando-se idealmente na faixa de 9,5% a 11,5%. Proteína demais pode causar turbidez na cerveja final e problemas de filtragem; de menos, pode prejudicar a formação e a retenção da espuma.
O calibre e a uniformidade dos grãos também são vitais para garantir uma germinação homogênea. É a ciência no campo garantindo a arte no copo. Dependendo do grau de secagem e torra, o malte pode ser claro como o Pilsen, base para a maioria das cervejas, ou escuro e complexo como os maltes Caramelo e Torrado, que entregam notas de toffee, chocolate e café.
O Tempero Nobre
Se o malte é a alma, o lúpulo é o tempero. Essa flor, pertencente à família Cannabaceae, é a responsável pelo amargor característico que equilibra a doçura do malte e pelos aromas complexos que podem ir do cítrico ao floral, do frutado ao resinoso. São as resinas (alfa-ácidos) da flor fêmea que conferem o amargor, enquanto os óleos essenciais definem seu perfil aromático.

Por muito tempo dependente de importações, o Brasil viu surgir nos últimos anos um novo e promissor mercado: o cultivo de lúpulo. Produtores na Serra da Mantiqueira, no Sul do país e em outras regiões de microclima favorável estão investindo em tecnologia para produzir lúpulos de alta qualidade. Embora a área plantada ainda seja modesta, crescendo de poucos hectares para mais de 100 nos últimos anos, o potencial é imenso. Essa é uma cultura de altíssimo valor agregado, que atende à demanda crescente das cervejarias artesanais por ingredientes frescos e locais, criando um “terroir” brasileiro para a bebida.
A Mágica Invisível
De nada adiantaria ter o melhor malte e o lúpulo mais fresco sem o trabalho incansável da levedura. Este microrganismo do gênero Saccharomyces é o agente mágico que consome os açúcares do mosto (o “chá” de malte) e, como subproduto, nos entrega álcool e CO₂. O controle de sua performance é tão tecnológico quanto o manejo de precisão na agricultura.
Existem duas grandes famílias que definem os estilos de cerveja: as Ale (S. cerevisiae), que trabalham em temperaturas mais altas e geram notas frutadas e complexas, típicas das IPAs e Cervejas de Trigo; e as Lager (S. pastorianus), que fermentam em temperaturas baixas, resultando em cervejas mais leves, limpas e refrescantes, como as populares Pilsens.
A Contribuição Estratégica
Engana-se quem pensa que cerveja só se faz com os quatro ingredientes básicos. Os adjuntos, fontes de amido não maltadas, desempenham um papel técnico e estratégico. No Brasil, gigante agrícola, o milho e o arroz são frequentemente utilizados. Longe de serem sinônimo de “cerveja inferior”, eles são tecnicamente empregados para conferir maior leveza, secura e drinkability à bebida, características muito apreciadas pelo consumidor nacional. Outros grãos, como trigo e aveia, são estrelas em certos estilos, adicionando corpo e uma textura aveludada.
E o ciclo virtuoso do agronegócio não para por aí. O bagaço do malte, principal resíduo do processo cervejeiro, é um subproduto rico em fibras e proteínas, tornando-se um excelente complemento para a dieta de bovinos. É a cervejaria devolvendo ao campo um alimento de alto valor, num exemplo perfeito de economia circular.
Fica evidente, portanto, que a produção de uma cerveja de alta qualidade é indissociável da excelência agrícola. Os ingredientes detalhados neste artigo, desde o malte com seu teor proteico controlado até o lúpulo com seu perfil específico de óleos essenciais, não são meras commodities. São insumos técnicos cujo desempenho e valor são definidos muito antes de chegarem à indústria.
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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