No estado do Alasca, onde energia e alimentos custam caro, cientistas testam um modelo que une geração solar e cultivo agrícola no mesmo terreno, e já colhem resultados promissores.
No município de Houston, no Alasca, foi instalada a maior fazenda solar do estado, um complexo de 18 hectares capaz de fornecer energia para cerca de 1.400 residências. Mas a inovação não parou aí. Pesquisadores decidiram transformar o espaço entre as fileiras de painéis solares em lavoura experimental. A ideia é testar a agrivoltaica, prática que combina produção agrícola e geração de energia no mesmo terreno, em uma das regiões mais caras do mundo para produzir comida e eletricidade.
As fileiras de painéis neste experimento estão separadas por 15 metros, mais espaçadas que em latitudes baixas, e captam luz pela frente e pelo verso, aproveitando o sol do verão ártico, que não se põe por várias semanas.
O experimento foi financiado por uma subvenção de US$ 1,3 milhão (cerca de R$ 7 milhões) do Departamento de Energia dos EUA, planejado como um projeto de três anos. Mas, assim como em pesquisas similares em Ohio, Nova Jersey e Arizona, o repasse federal para a etapa seguinte ainda não foi aprovado, deixando o futuro do estudo em suspensão.
Os testes focaram em cultivos que prosperam em verões frios: batata, couve e espinafre. As parcelas foram monitoradas com sensores de temperatura, umidade, radiação e fotossíntese, além dos próprios dados dos painéis (voltagem, corrente e aquecimento).

Um primeiro achado chamou atenção:
• Plantas mais próximas dos painéis tiveram melhor desempenho
• Plantas mais distantes sofreram maior estresse solar
O sombreamento parcial reduziu queimadura por excesso de sol e o próprio painel retém calor, estendendo a janela de crescimento. Além disso, a condensação formada no vidro dos módulos aumentou a umidade do solo nas linhas vizinhas — um ganho indireto na irrigação.
A colheita de setembro foi farta: milhares de quilos de vegetais foram pesados, catalogados e parte deles distribuída à comunidade. As caixas foram deixadas na porta da usina solar com um aviso: “pegue o que precisar”. Moradores levaram sacos de batata, trocaram receitas e lembraram que comida local gratuita é coisa rara no Alasca.

Para os donos da planta solar, há incentivo financeiro visível:
• agricultores pagam para arrendar a terra — gera receita
• não é preciso roçar o mato entre os painéis — corta custos
Mas a expansão da energia solar no estado está travada. Planos de ampliar o parque de Houston de 8,5 MW para 30 MW, e construir uma nova planta na península de Kenai, foram cancelados por disputa de preços na negociação com distribuidoras. Enquanto isso, os campos de gás natural que abastecem o estado estão a poucos anos de esgotar.
Painéis bifaciais, que colhem luz pela parte traseira, são chave no Alasca. Em meses como abril, com neve no solo, a luz refletida duplica a produção, chegando a representar 30% da energia gerada em alguns dias.

Com terras agrícolas encolhendo (o Vale de Matanuska perdeu 11% das áreas de cultivo em 10 anos para loteamentos), cada hectare precisa trabalhar duas vezes: produzir alimento e gerar energia.
Este é o primeiro projeto agrivoltaico em escala industrial dos EUA em alta latitude. Europa testa algo parecido há décadas, mas no contexto americano ele é pioneiro, e pode virar modelo para regiões caras, frias ou isoladas, inclusive do arco amazônico à Patagônia.
Os cientistas lembram: um ano de dados não basta para conclusão científica. Mas o que se viu já é suficiente para acender o alerta do setor: plantar sob painéis não é obstáculo, é sinergia. A luz, no Alasca, começou a produzir duas vezes. E isso muda o jogo.
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