ÁGUA: 50 empresas usam a mesma quantidade que metade do país

Esse volume de água seria suficiente para abastecer 93,8 milhões de pessoas por um ano, representando mais de 46% da população brasileira de acordo com os dados do Censo de 2022; confira

No final de cada ano, as campanhas televisivas no Brasil costumam pedir aos consumidores que economizem água, sugerindo medidas como fechar a torneira ao escovar os dentes, reduzir o tempo de banho e evitar lavar a calça. No entanto, um levantamento realizado pela Agência Pública revelou que o maior consumo de água não está nas mãos dos consumidores finais, mas sim de empresas. Nesse estudo, foram identificados os “donos” da água no Brasil.

Em um contexto de crescentes impactos das mudanças climáticas e do desmatamento na disponibilidade de água, a descoberta é surpreendente. Os 50 maiores grupos empresariais do Brasil têm o direito de captar uma quantidade impressionante de água, totalizando 5,2 trilhões de litros por ano. Esse volume de água seria suficiente para abastecer 93,8 milhões de pessoas por um ano, representando mais de 46% da população brasileira de acordo com os dados do Censo de 2022.

Esses grupos empresariais incluem gigantes do agronegócio, do setor sucroalcooleiro e da indústria de papel e celulose, entre outros. Curiosamente, muitas dessas empresas obtêm a água praticamente de graça, sem pagar pelo uso desse recurso essencial. Eles foram distribuídos por 139 municípios em 19 estados brasileiros, abrangendo todas as cinco regiões do país. Mais da metade das autorizações para coleta de água são de Minas Gerais, Bahia e São Paulo.

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O direito dessas empresas de utilização de água é formalizado por meio de outorgas, licenças concedidas por órgãos públicos para a captação de água de fontes superficiais, como rios e lagos, e subterrâneas, como aquíferos. Para este levantamento, foram consideradas apenas as autorizações federais, que são concedidas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Cada uma das autorizações comprovadas tem um volume médio de 7,6 bilhões de litros, o que seria suficiente para abastecer uma cidade como Balneário Camboriú (SC) por um ano. Em 2022, foram concedidos 1,3 trilhões de litros em outorgas, um aumento de 65% em relação ao ano anterior.

O levantamento foi realizado com base em dados abertos da ANA relacionados com outorgas em corpos hídricos sob o domínio da União, que são aqueles que atravessam mais de um estado ou estão em áreas de fronteira. As autorizações de controle estadual não foram incluídas. A agência tornou essas informações públicas em resposta a um pedido feito pela agência de dados Fiquem Sabendo, especializada em acesso a informações públicas.

Foram consideradas apenas as autoridades de captação de recursos hídricos, tanto de direito de uso quanto preventivas, que reservam água para grandes projetos em fase de planejamento.

Uma das maiores outorgas identificadas foi concedida em uma região afetada por uma grave estiagem, a região banhada pelo Rio Amazonas. Em dezembro do ano passado, a ANA concedeu uma outorga preventiva para a empresa de energia Eneva, que pretendia realizar um projeto de exploração de gás natural em Itacoatiara (AM). A outorga autorizou a coleta de 438 bilhões de litros por ano, o maior volume único de outorga no período analisado. Isso seria suficiente para abastecer duas vezes a população de todo o estado do Amazonas por um ano.

A Eneva, que tem o banco BTG Pactual como principal acionista, afirmou que a outorga não está em andamento e não será utilizada. A empresa alegou que o pedido foi feito apenas para avaliar um projeto que não foi desenvolvido. Até ao fecho da reportagem, no entanto, a autorização ainda estava activa na base da ANA. A empresa também destacou seu compromisso com a conscientização e reutilização dos recursos hídricos e o cumprimento rigoroso dos requisitos operacionais e legais previstos nas outorgas.

Essa enorme quantidade de outorgas contrasta com a realidade de muitos brasileiros. Cerca de 32 milhões de brasileiros, ou 15,8% da população, não têm acesso a água tratada, e pelo menos 91,3 milhões, ou 45% da população, não têm acesso a esgotamento sanitário, de acordo com dados de 2021 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS).

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Foto: Caio Palazzo/FAS

Nos últimos anos, o Brasil enfrentou mais de 14 mil ocorrências de secas e estiagens, afetando 121,5 milhões de pessoas e causando prejuízos que chegam a cerca de R$ 217 bilhões, de acordo com o Atlas dos Desastres.

A legislação brasileira estabelece a prioridade do abastecimento de água para as pessoas. No entanto, essa prioridade muitas vezes entra em conflito com as outorgas concedidas às empresas, que detêm grandes volumes de água. Essa situação levou a disputas e conflitos por água, com a Comissão Pastoral da Terra registrando mais de 2.400 conflitos por água nos últimos dez anos, resultando em 20 assassinatos.

Os critérios para a concessão de outorgas também foram criticados. Eles levam em consideração a quantidade de água necessária e a disponibilidade hídrica da região, mas muitas vezes não consideram as mudanças climáticas e não atualizam os índices de vazão utilizados. Especialistas argumentam que é necessário compensar o sistema de concessão de água, levando em conta o sistema hídrico e as dinâmicas de uso e ocupação do solo, bem como as mudanças climáticas.

Além disso, as outorgas têm prazos de validade que podem chegar a 20 anos, o que é considerado um problema pelo setor de recursos hídricos. A falta de monitoramento eficaz também é uma preocupação.

Foto: Arquivo/SOP

Atualmente, a lei permite que as empresas vendam ou transfiram suas outorgas, e o governo tenha uma visão flexível do que constitui “uso consuntivo“, o que pode incluir desde a supervisão até o uso da água em processos produtivos. Há uma pressão crescente para restringir a venda de outorgas e tornar o uso da água mais eficiente.

A gestão da água é uma questão crítica em um país com desafios ambientais tão significativos. O Brasil abriga a maior parte da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, que desempenha um papel fundamental na regulação do ciclo da água na América do Sul. Além disso, o país enfrenta secas, inundações, disputas por recursos hídricos e desmatamento que ameaçam a disponibilidade de água potável.

Como a questão da água se torna cada vez mais crítica em um mundo afetado pelas mudanças climáticas, é fundamental compensar a gestão dos recursos hídricos no Brasil, com foco na priorização do abastecimento humano e na proteção dos ecossistemas que sustentam a disponibilidade de água no país.

Escrito por Compre Rural com informações do portal Publica.

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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Juliana Freire sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira

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