Mesmo considerando que 69% das criações são destinadas ao abastecimento interno, em duas décadas as exportações das aves renderam R$ 145 bilhões.
No sentido figurado do economês, falar em “voo de galinha” é remeter a um desempenho que não se sustenta. Mal decola e já está no chão novamente. Contudo, a saga da criação de galinhas no Brasil, ou da criação de frangos (como são chamados os galináceos jovens), é de fazer questionar se o ditado não mereceria, afinal, ser reformulado.
O voo do frango brasileiro é vertical e duradouro. Os números falam por si. Mesmo considerando que 69% das criações são destinadas ao abastecimento interno, em duas décadas as exportações das aves renderam R$ 145 bilhões. Olhando para os embarques mais recentes, em junho a exportação de frango, suínos e ovos bateu pela primeira vez a casa de US$ 1 bilhão ao mês. E o frango respondeu por 80% desse montante.
“Devemos continuar nesse ritmo. Nossa meta era exportar 500 mil toneladas por mês. Esse projeto tinha maturação em um prazo muito mais alongado, mas já está acontecendo agora. Neste ano a gente só não exportou 500 mil toneladas nos dois primeiros meses. Não é nada ufanista, mas as projeções são para mais crescimento”, afirma Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa o segmento de aves, suínos e ovos.
Contam para a avicultura brasileira as condições favoráveis de solo, água e clima – que se traduzem em disponibilidade de grãos para encher o papo das galinhas – como também a saúde dos planteis. Dentre os grandes produtores mundiais, o Brasil é o único que nunca registrou casos de gripe aviária e há mais de 20 anos não tem ocorrência da peste suína africana. Essas doenças assolam atualmente a Europa e a Ásia, e a gripe aviária ressurgiu há poucos meses nos Estados Unidos, depois de sete anos, exigindo o sacrifício sanitário de quase 40 milhões de frangos.
Por outro lado, logo após a pressão na demanda pela pandemia de Covid, veio a guerra da Ucrânia, que interrompeu o envio de grãos para alimentar milhões de frangos em outros países. O conflito abalou as próprias exportações ucranianas, de 440 mil toneladas por ano, que situavam o país na 5ª posição global.
“Todo esse contexto está dizendo ao Brasil: vamos precisar comprar de quem tem capacidade de aumentar a produção. A previsão é de que em cinco anos será preciso aumentar a oferta mundial de alimentos em torno de 12% a 15%, mas, do Brasil, espera-se 41%. Por aqui temos sustentabilidade e capacidade de produção”, enfatiza Santin.
Esse crescimento poderá vir tanto pelo incremento da produção no Sul do país, que já responde por 64% do total, como em novos empreendimentos no Centro-Oeste e na região do Matopiba (acrônimo com as iniciais dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), que têm farta colheita de milho e soja. Um avanço possível, segundo Thiago Bernardino, analista de Pecuária do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea / Esalq-USP), por causa da competitividade da cadeia produtiva.
“Para o frango, não é preciso grandes áreas. E você agrega valor ao milho e à soja, assim como o subproduto, que é a cama aviária, que pode ajudar como adubo, e os biodigestores para queima de gás e energia. São fatores que facilitam o comércio de proteína próxima a regiões consumidoras, principalmente o Nordeste. Vão pesar outros fatores, como clima, maior gasto com energia para refrigeração devido ao calor, tudo isso impacta. Mas a capacidade produtiva e o fato de ser uma proteína barata, isso faz romper barreiras”, assegura.
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Um mercado “aberto” recentemente foi o da Índia, que tem uma população de 1,38 bilhão de pessoas. As aspas do “aberto” é porque, na prática, os indianos inviabilizam a importação do frango brasileiro impondo uma taxa de 100% nos cortes e 30% na ave inteira. Neste ano, a exportação para a Índia se resumiu a irrisórios 2.820 kg. Em todo o ano passado foram 121.000 kg. É uma situação que tende a mudar por força do mercado, segundo Bernardino, do Cepea. “Países como a Índia taxam visando proteger o mercado doméstico, mas infelizmente penalizam a população, o consumidor final. No longo prazo, isso tende a melhorar. O mercado globalizado vai buscar eficiência, e tendo produção mais eficiente no Brasil, invariavelmente tendemos a chegar nesses países que criam taxas para proibir a entrada”.
No curto prazo, são os europeus que devem correr atrás de mais frango. “Na Europa, quando entrarem no inverno vão ter um problema sério de gás e energia, vão ter que se curvar para a Rússia e vão ter que se curvar para o frango brasileiro”, prevê Bernardino.
No ano passado, os abatedouros do País processaram 6,18 bilhões de cabeças de frango, quase um frango para cada habitante do planeta. A liderança nas exportações é algo consolidado. O total de embarques anuais para clientes em 151 países chega a 4,6 milhões de toneladas, um milhão à frente do segundo colocado, os EUA, e mais de três milhões adiante do terceiro lugar, a União Europeia. Lideram as compras a China (14,33% de participação), Japão (10,04%), Emirados Árabes Unidos (8,71%), Arábia Saudita (7,91%), África do Sul (6,64%) e União Europeia (4,32%).
Se um prato à base de frango é corriqueiro hoje à mesa dos brasileiros, não é preciso voltar muito no tempo para atestar uma realidade bem diversa. Em 1970, cada brasileiro consumia em média 3 kg de frango por ano. Em 2000, eram 29,9 kg e, hoje, já são 45 kg. “Estamos falando de uma conquista expressiva em muito pouco tempo. Hoje o frango já é nossa principal fonte de proteína animal, de boa qualidade e custo razoável”, aponta Dirceu Talamini, engenheiro-agrônomo pesquisador da Embrapa Suínos e Aves, em Caxias do Sul.
Atualmente, a pesquisa tem concentrado esforços para encontrar alternativas viáveis de alimentação para o frango, que ajudem a diminuir a dependência das commodities valorizadas de soja e milho. Na região Sul, apenas o Paraná é autossuficiente em milho. A saída pode estar nos cereais de inverno – trigo, centeio, aveia e cevada, entre outros.
Essa mudança de dieta, no entanto, ocorre a passos lentos. Porque o agricultor precisa confiar no mercado antes de plantar, e isso vem de uma relativa segurança quanto à demanda e ao preço. “Nesse ano principalmente, com problemas na Ucrânia e Rússia, os cereais se valorizaram muito, então o produtor deve ter uma resposta muito grande, expandindo as lavouras. Há um enorme potencial para os cereais de inverno, até porque isso liberaria o milho para exportação”, sublinha Talamini.
Para dar conta de alimentar milhões de frangos, outra fonte que ganha espaço é o DDG, que nada mais é que o grão seco após a destilação do etanol de milho. “Tem alta taxa de proteína bruta e tem ainda composição de energia interessante, é altamente viável na dieta de frangos, suínos e bovinos”, diz o pesquisador, acrescentando que, hoje, o etanol de milho já consome 10 milhões de toneladas de grãos por ano, gerando um volume expressivo de disponibilidade de DDG.
Ainda que haja preocupação em variar a dieta do frango por questões econômicas, não há risco de faltar milho para abastecer o mercado interno. A safra atual que está sendo colhida no inverno deve ser cheia, depois de dois anos com quebras por geadas. “Não tem risco de faltar milho. O que pode haver é um câmbio favorável para exportação. Se formos exportar tudo o que o mercado quer levar, pode ser que o milho aqui dentro fique caro. Teremos de pagar a paridade com o preço de exportação, mas não haverá falta”, assegura Sidnei Botazzari, sócio da Jaguá Frangos, com sede em Londrina, no Norte do Paraná.
O empresário aponta que a elevação dos custos dos combustíveis, e, por extensão, dos fretes, tornou mais difícil neste ano movimentar o milho dentro do país. “Se pegar milho no Mato Grosso, que é um grande produtor, para trazer ao Paraná tem que por mais 20 reais por saca devido à distância. Acaba inviabilizando, é melhor comprar em casa mesmo, no seu quintal”.
Essa competitividade fica evidente ao se comparar o preço do frango no início dos anos 90, época do Plano Real, com o custo atual para o consumidor brasileiro da população de mais baixa renda. “O quilo do frango resfriado custava R$ 1,00, em torno de 1,4% da renda, que girava em torno de R$ 70,00. Hoje o frango abatido é comprado por R$ 10,00, em cima de uma renda de R$ 1.200,00. Ou seja, abaixo de 1% do comprometimento da renda. Mesmo com os custos altos, o frango tem ganhado eficiência produtiva”, sublinha Bernardino, do Cepea.