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Como o whey protein foi de descarte poluente a um ingrediente caro

Apesar das múltiplas formas de reutilização do soro, muitos produtores ainda consideram a substância como um rejeito, por conta da sua facilidade em proliferar bactérias e fungos.

Barrinhas, bebidas lácteas, chocolates, iogurtes. Hoje em dia, não é difícil encontrar no supermercado uma grande variedade de produtos com proteína do soro do leite (whey protein, em inglês). Inclusive, eles geralmente são bem mais caros do que as versões tradicionais, não enriquecidas com o nutriente.

Mas o que muita gente não sabe é que há algumas décadas o soro do leite era um descarte da indústria de laticínios, subproduto gerado na fabricação de queijo. Em média, para fazer 1 kg de queijo são necessários 10 litros de leite, e o que sobra no processo são 9 litros de soro de leite. Num passado recente, cerca de 25 a 30 anos atrás, era comum que esse soro de leite fosse dado a animais ou, para piorar, descartado no meio ambiente. E, se ele tem proteínas para o nosso corpo, no descarte indevido vira um belo de um poluente.

“Estimativas apontam que, aqui no Brasil, são produzidas cerca de 5 milhões e 400 mil toneladas de soro de leite por ano, oriundas de queijo feito com inspeção federal. Olha o montante disso. Antes, você jogava isso fora, mas por ser rico em compostos orgânicos, consequentemente o soro de leite polui muito. Agora, não, você não pode descartar indiscriminadamente, você tem que tratar o soro, e o tratamento é caro. Então, começou-se a realizar pesquisas sobre ele”, explica Leila Spadoti, especialista do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos do Governo do Estado de São Paulo).

Basicamente, as pesquisas sobre soro de leite identificaram dois pontos principais: o primeiro é que ele é rico em proteínas; o segundo, que era possível utilizá-lo, de diferentes formas, em novos produtos. Resumindo, foi assim que o soro de leite trouxe novos produtos ao mercado (entre eles os compostos lácteos, que têm rótulos parecidos com o de leite, mas contêm aditivos).

“Do total de soro produzido no mundo inteiro, a gente está conseguindo usar de 50% a 60%, o resto não tem aplicação ainda. Os cientistas costumam sugerir aplicações nas indústrias alimentícia e na farmacêutica pela quantidade de nutrientes que ele possui”, complementa Spadoti.

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, em 2018, avaliou cem laticínios espalhados pelo país. Desse total, apenas 60% aproveitavam totalmente o soro de leite. E 27% não só não aproveitavam o soro em outros produtos, como descartavam em sistemas de tratamento de efluentes ou doavam para alimentação animal.

Outro estudo da mesma entidade, publicado em abril de 2021, trouxe um panorama da questão ambiental envolvendo o soro de leite. Apesar das múltiplas formas de reutilização do soro, muitos produtores ainda consideram a substância como um rejeito, por conta da sua facilidade em proliferar bactérias e fungos.

Há, ainda, uma prática problemática, que é o uso do soro de leite in natura para a irrigação do solo. O soro consegue estimular o crescimento de plantas e melhorar a estrutura do solo, aumentando a eficiência na retenção de água. Entretanto, resíduos de antibióticos aplicados em animais são encontrados no soro e, mesmo em baixas concentrações, podem ocasionar contaminação de bactérias nos alimentos cultivados.

O estudo traz uma terceira questão alarmante, dessa vez envolvendo o descarte do soro. Os tratamentos de efluentes contendo soro de leite, apesar de eficazes, causam outros problemas, como a produção de lodo contaminado com produtos químicos, além do alto consumo de energia.

Para especialistas, a destinação indevida do soro de leite produzido nos laticínios ainda tem graves impactos ao meio ambiente nos dias de hoje, e são necessários mais investimentos em tecnologia e pesquisa para resolver essa questão.

E se de um lado há muito o que ser feito, do outro já existem diagnósticos – a inclusão do soro em novos produtos pode ser um caminho mais econômico e sustentável. No Ital, as pesquisas com soro de leite seguem algumas linhas, como o desenvolvimento de bebidas gaseificadas, tipo refrigerantes, além do uso em sorvetes e bebidas lácteas, visando principalmente à utilização do soro oriundo de pequenos laticínios.

Há, ainda, públicos específicos que pagam fortunas para terem suas proteínas concentradas. Você já deve ter ouvido falar, inclusive. Com muito marketing e apelo nos universos de esportes e fitness, o soro de leite passou a ser chamado pelo seu nome em inglês: whey protein.

É o que explica Patrícia Blumer, pesquisadora de novos produtos no setor de lácteos do Ital: “Vamos pegar o leite, o leite tem 3% e pouco de proteína, o soro tem entre 0,6% e 1%. Então, ele tem menos proteína e tem mais água. Mas junto com ele, você tem os minerais, as vitaminas do complexo B presentes, entre outros. Esse soro também pode ser ultrafiltrado, é um tratamento específico em que você concentra as proteínas dele, já que ele tem pouca proteína como líquido. Concentra as proteínas do soro e dá aquele nome chique de whey protein, que, na verdade, é o termo em inglês para proteína do soro”.

Para Guilherme Tavares, professor da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), o avanço tecnológico ao redor do mundo e o aumento da demanda por parte dos consumidores em produtos específicos incentivam o surgimento de novos produtos lácteos, algo que deve seguir pelos próximos anos. Ele destaca a expansão de concentrados proteicos, como o whey, além de outros produtos voltados para facilitar a digestão. “O soro de leite é um bom exemplo de como o conhecimento ajuda a reinventar uma cadeia produtiva. A academia estuda o leite há muitos anos e continuamos estudando, porque estamos longe de exaurir tudo o que pode ser feito com ele”, conclui.

Linha do tempo

– O soro de leite foi descoberto há cerca de 3 mil anos, quando o leite era transportado usando estômagos de bezerros: o leite coagulava naturalmente, transformando-se em soro e coalhada.

– A evolução desse processo de armazenamento deu origem à indústria do queijo (e, consequentemente, do soro).

– O soro de leite é cerca de 80% a 90% do volume total de leite utilizado na produção de queijos e possui aproximadamente 55% dos nutrientes do leite.

– No começo, o soro de leite era considerado um produto de pouco valor e as indústrias procuravam meios mais econômicos de lidar com ele, como o descarte. O soro era pulverizado em campos ou jogado em rios, lagos e até em oceanos, práticas agora proibidas por conta do alto teor poluente dessa substância.

– Havia também a venda do soro como ração animal, algo com baixo retorno às indústrias.

– Existem referências históricas do uso do soro de leite para fins medicinais, datadas de 1623. A substância era utilizada para tratar sepse, doenças estomacais e cicatrização de feridas.

– Os estudos medicinais com o soro se difundiram na Europa entre os séculos 17 e 18.

– As legislações internacionais contra o descarte de resíduos produzidos por indústrias no meio ambiente, o que inclui o soro de leite, começaram há, aproximadamente, 40 anos. Os primeiros registros são dos anos 1980.

– Aqui no Brasil, as legislações correspondentes são resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente, órgão do Ministério do Meio Ambiente: a resolução 20, de 1986, e a 430, de 2011.

– Aplicar o soro em produtos também é um caminho mais barato, já que para tratá-lo em redes de esgoto tem um alto custo.

– Os estudos de utilização do soro começaram por meio de sua forma primária sólida, a lactose.

– Em 1995, eram produzidas anualmente 150 toneladas de soro de leite em todo o mundo.

– No início do século 21, o “boom” dos alimentos funcionais, os concentrados de proteína, impulsionaram a aplicação do soro em novos produtos, como o whey protein.

– De acordo com dados do IBGE, em 2010 a produção de queijos no Brasil com inspeção federal foi de 896 mil toneladas, o que também resultou na produção de, aproximadamente, 8 bilhões de litros de soro de leite.

– Entre 2007 e 2020, o Ministério da Agricultura publicou uma série de instruções normativas para definir a composição de produtos lácteos, como composto lácteo, leite em pó, leite condensado, entre outros.

– No Brasil, o tratamento industrial do soro teve uma aceleração nos últimos anos, com a implementação de fábricas processadoras dessa substância em alguns estados, como Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Rondônia.

Fonte: UOL

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