Conheça o diferencial do gado criado a pasto

Pecuaristas começam a explorar a tendência mundial de grass fed beef (carne alimentada com capim) para mostrar a qualidade nutricional superior do produto.

Herdeiro de propriedades familiares em Caçapava do Sul, na região central do Rio Grande do Sul, o casal de veterinários Luiz Francisco Biacchi Filho e Nathália Bidone Biacchi cresceu vendo seus antepassados criando gado em pasto nativo e vendendo para frigoríficos — onde as carnes de animais diversos se misturam. 

Dispostos a fugir dessa lógica de mercado, resolveram chegar ao consumidor final para mostrar o diferencial do produto resultante da alimentação de bovinos com dieta verde — o propagado grass fed beef.

A expressão em inglês, na tradução literal carne alimentada com capim, é conhecida em supermercados e restaurantes dos Estados Unidos e da Europa. A informação é destacada nas embalagens como atributo de qualidade, em países onde os confinamentos dominam o sistema de produção. 

Por aqui, onde a maioria do rebanho é criada solta e a pasto, o conceito ainda é desconhecido de grande parte dos consumidores.

— O grass fed beef é uma tendência mundial, que começa a ser valorizado no Brasil, onde temos isso em abundância — afirma Nathália, sócia da Fazenda Fomento.

Na quarta geração de criadores de gado, a fazenda lançou há dois meses um site para venda online do produto, entregue refrigerado na casa do cliente em até dois dias, no Rio Grande do Sul. 

O grass fed beef é uma tendência mundial, que começa a ser valorizado no Brasil, onde temos isso em abundância. NATHÁLIA BIDONE BIACCHI
Sócia da Fazenda Fomento

— Sempre pensamos em ofertar nosso produto direto ao consumidor, para que ele soubesse de onde vem, como é produzido, e para que também tivéssemos o retorno dele — conta Biacchi, sócio administrador da Fazenda Fomento, que cria 340 cabeças de gado em 310 hectares de campo nativo. 

Dessa forma, o produtor passou a ter o controle de todos os processos. Desde a criação no pasto, o transporte dos animais até a desossa e a finalização no frigorífico — são 38 cortes no total. 

carne a pasto
O casal de veterinários Luiz Francisco Biacchi Filho e Nathália Bidone Biacchi aposta na criação de gado alimentado a pasto Fernando Gomes / Agencia RBS

— Essa é outra aposta, de oferecer cortes menos conhecidos, como porthouse, T-bone e ossobuco — destaca Biacchi, que acompanha todas as etapas de produção, com auxílio de especialistas na área.

Embora a venda online represente hoje menos de 10% do negócio da fazenda, a ideia é chegar a 100% — à medida que o consumidor for aprendendo a diferenciar e a valorizar os cortes, projetam. 

— Tem uma expressão que diz: “somos o que comemos”. Com o gado ocorre o mesmo. Então, a carne desse animal será diferente dependendo de como ele for alimentado — diz Nathália.

Pesquisas científicas comprovam que animais alimentados a pasto têm valores nutricionais superiores, como maior quantidade de ômega 3, na comparação aos bovinos criados confinados e que consomem ração de grãos.

— A carne produzida nas pastagens naturais do bioma Pampa tem perfis de gordura benéficos — explica Elen Nalério, pesquisadora em ciência e tecnologia de carnes da Embrapa Pecuária Sul.   

Maioria dos consumidores desconhece diferenças nutricionais

As diferenças resultantes da nutrição do animal ainda são pouco levadas em conta na hora da escolha da carne pela maioria dos consumidores no Brasil, lamenta José Fernando Piva Lobato, professor de Zootecnia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):

— Não damos valor ao sistema que nós produzimos, com animais livres no pasto, nativo ou cultivado com forrageiras. O Rio Grande do Sul perde ao não certificar a carne produzida na região do Pampa.

carne a pasto
As diferenças resultantes da nutrição do animal ainda são pouco levadas em conta pelos consumidores, de acordo com Lobato Fernando Gomes / Agencia RBS

O bioma reúne em torno de 450 espécies de gramíneas e 150 de leguminosas. Até meados do século 19, os campos nativos cobriam quase 70% do território gaúcho, explica Carlos Nabinger, professor da Faculdade de Agronomia da UFRGS. Hoje, menos da metade da área original do Pampa se mantém com vegetação natural.  O restante foi convertido para lavoura ou outras atividades agrícolas. 

Além da disseminação de informação, a exemplo do que faz o vizinho Uruguai, é necessário aumentar a escala de produção dessa carne, a fim de garantir regularidade no fornecimento ao longo do ano, salienta Nabinger: 

— O consumidor está começando a entender o que é uma boa carne. Mas precisamos chegar ao mercado com mais volume. Hoje, a maioria das iniciativas de mostrar o valor dessa carne é isolada. É preciso associativismo entre os produtores.

Alianza del Pastizal em fase de expansão

Criada há 15 anos, em um esforço conjunto de pecuaristas do bioma Pampa de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, a Aliança Del Pastizal preconiza a criação de bovinos a pasto e oferta ao mercado produtos que chegam hoje a seis lojas do Carrefour no Rio Grande do Sul e outras quatro em São Paulo. 

Somente no RS, são 165 fazendas certificadas pela equipe técnica do programa, que tem o frigorífico Marfrig como parceiro industrial.

— Estamos em fase de expansão para o mercado de casas especializadas, produtos artesanais e gastronomia. Temos demanda para duas a três vezes mais produção, conforme manifestado por parceiros de indústrias e varejo — conta Davi Teixeira, coordenador da Alianza Del Pastizal no Brasil.

Hoje, são abatidos cerca de mil animais por mês no Estado, resultantes da pecuária em 120 mil hectares de bioma Pampa. Para participar do programa, a propriedade precisa manter pelo menos 50% da área com vegetação nativa, criar o gado livre de confinamento e adotar boas práticas de produção e bem-estar animal. 

A suplementação de grãos é permitida em períodos de escassez de pasto, desde que a dieta não ultrapasse o volume de 1% do peso vivo do bovino.

— O objetivo é também a preservação da fauna e da flora, possibilitando que a pecuária conviva com a biodiversidade natural — explica Teixeira.

Apesar dos avanços, o coordenador reconhece que ainda é preciso comunicação mais eficiente com o consumidor final, para que o selo da Alianza seja identificado como diferencial da carne. O termo grass fed beef, por exemplo, ainda não é explorado nas embalagens dos produtos. A possibilidade de inclusão está sendo discutida.

Estamos em fase de expansão para o mercado de casas especializadas, produtos artesanais e gastronomia. DAVI TEIXEIRA – Coordenador da Alianza Del Pastizal no Brasil

Outro desafio é convencer os produtores dos benefícios capazes de fazer frente aos ganhos de outras atividades, como a produção de soja, por exemplo.

— O programa não é contrário à lavoura de grãos. Mas é preciso ter um equilíbrio entre conservação e produção — resume Teixeira.

Além da bonificação paga nos frigoríficos pela raça e acabamento de gordura, os pecuaristas da Alianza del Pastizal recebem até 2% a mais pelo quilo da carcaça. Além disso, têm assistência técnica e linha de crédito para melhorias e conservação do campo nativo — sendo parte a fundo perdido. 

Preço maior e baixa oferta são desafios

Apesar de reconhecer que a carne premium é uma tendência com espaço para crescimento no Brasil, as indústrias de carne bovina veem obstáculos ao crescimento desse mercado. O primeiro desafio é o preço superior dos produtos.

— Estamos falando de uma faixa pequena de consumo. Boa parte da população brasileira ainda prefere volume à qualidade, que inevitavelmente custa mais caro — afirma Zilmar Moussalle, diretor-executivo do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados do Rio Grande do Sul (Sicadergs). 

Outro desafio da produção é a regularidade da oferta desses produtos. Muitos programas de certificação começam, segundo Moussalle, e não têm continuidade — o que gera instabilidade na indústria, que precisa ter previsibilidade para abastecimento de mercados. 

Um dos exemplos é o programa da Associação dos Produtores de Carne do Pampa Gaúcho da Campanha Meridional (Apropampa), que conquistou indicação de procedência de origem e está em processo de reformulação para voltar ao mercado.

Criação a pasto 


Estima-se que o Rio Grande do Sul tenha cerca de 95% da produção de gado criado solto a pasto, e o restante em confinamentos, onde os animais são alimentados com ração animal. No Brasil, o percentual de pecuária a pasto é superior a 80%.

Entenda as diferenças na carne

  • Os animais criados a pasto têm mais teor de ácidos graxos tipo ômega 3 do que ômega 6, na comparação com o gado confinado. 
  • Ômega 3 é um tipo de gordura benéfica à saúde humana, não produzida pelo corpo e obtida a partir de alimentos como peixes, legumes e frutas.
  • A carne de gado alimentado a pasto tem o dobro de teor de ácido linoleico conjugado, outro componente graxo importante à saúde. 
  • Animais criados a pasto têm mais vitamina E, que atua como antioxidante no organismo.
  • A gordura da carne de bovinos alimentado com pasto é mais amarela, pela maior quantidade de carotenoides, substância benéfica à saúde. 

Fonte: Embrapa Pecuária Sul

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