
Justiça homologa recuperação judicial do Grupo Bergamasco e caso expõe a escalada recorde de recuperações judiciais no agronegócio, que já somam mais de 2.200 pedidos em 2024 e continuam crescendo em 2025
O agronegócio brasileiro enfrenta uma escalada de desafios financeiros que vai além da produtividade no campo. O Grupo Bergamasco, tradicional conglomerado familiar com mais de 50 anos de história na produção de grãos e pecuária, teve seu plano de recuperação judicial homologado pela Justiça de Mato Grosso, em meio a uma dívida de R$ 236 milhões.
A decisão foi assinada pelo juiz Márcio Aparecido Guedes, da 1ª Vara Cível de Cuiabá, e autoriza o início do processo de renegociação das dívidas. O plano foi aprovado com voto quase unânime dos credores, incluindo aprovação integral nas classes de credores com garantia real e microempresas.
A homologação representa um alívio para a continuidade das atividades do grupo, que atua nos municípios de Nova Mutum, Tapurah e São José do Rio Claro (MT) com foco na produção de soja, milho e criação de gado. Atualmente, as empresas da família empregam 36 funcionários diretos e são responsáveis por relevante volume produtivo no estado.
Trajetória marcada por crescimento e perdas
Fundado por José Osmar Bergamasco, Jefferson C. Bergamasco e Jacson C. Bergamasco, o grupo chegou ao Mato Grosso em 1995, adquirindo a Fazenda Três Irmãos, com 5 mil hectares. Expandiu-se ao longo dos anos por meio de compras e arrendamentos de áreas produtivas, como as fazendas Colibri, Vista Alegre e Mata Azul.
O auge do crescimento veio entre 2003 e 2017, quando o grupo consolidou plantações de grande escala e pecuária de corte em Tapurah e Nova Mutum. No entanto, uma série de fatores adversos afetou o desempenho financeiro do grupo:
- Seca severa em 2017, que comprometeu a produtividade agrícola;
- Alta dos juros, que encareceu o crédito rural;
- Impactos econômicos da pandemia de Covid-19;
- Um grave incêndio acidental, no qual o patriarca José Bergamasco teve 50% do corpo queimado ao tentar conter as chamas.
Para saldar dívidas de curto prazo, a família chegou a vender, em 2021, a Fazenda Mata Azul, de 1.830 hectares. Ainda assim, as dívidas se acumularam até o total de R$ 236 milhões, motivando o pedido de recuperação judicial deferido em 2023.
“À luz da regularidade formal do ajuste, da inexistência de óbices jurídicos e da sua evidente utilidade para a preservação da atividade empresarial, homologo o acordo firmado entre o grupo Bergamasco”, registrou o juiz na sentença.
Explosão de recuperações judiciais no agro
O caso do Grupo Bergamasco reflete uma tendência alarmante que vem se consolidando nos últimos anos: o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial no agronegócio brasileiro.
Dados apurados pelo CompreRural e parceiros indicam que:
- Em 2024, foram registrados 2.273 pedidos de recuperação judicial no agro, crescimento de 61,8% em relação a 2023.
- No 1º trimestre de 2025, foram 389 pedidos, alta de 44,6% frente ao mesmo período de 2024.
- No 2º trimestre de 2025, o número saltou para 565 solicitações, representando uma alta de 31,7% em relação ao mesmo trimestre de 2024.
- Somente no primeiro semestre de 2025, o total de pedidos chegou a aproximadamente 954 casos, quase o triplo do observado em 2022.
A tendência atinge tanto produtores pessoa física quanto empresas de médio e grande porte, consolidando um fenômeno sistêmico dentro da principal cadeia econômica do país.
Principais causas do aumento de recuperação judicial
Especialistas ouvidos pelo CompreRural apontam uma combinação de fatores que explica esse crescimento:
- Juros altos: a manutenção da taxa Selic em patamares elevados pressiona o custo do crédito rural, que chega a superar 20% ao ano para alguns produtores.
- Clima adverso: secas, chuvas intensas e fenômenos extremos têm afetado lavouras em diversas regiões.
- Queda nas commodities: a retração no preço de grãos e da arroba do boi impacta diretamente o caixa das fazendas.
- Endividamento acumulado: muitos produtores ampliaram operações nos anos de bonança e agora não conseguem honrar os compromissos.
- Uso estratégico da recuperação judicial: cresce a adesão de produtores ao mecanismo como forma de reestruturar dívidas com fornecedores, cooperativas e bancos.
O aumento nos pedidos tem gerado inclusive alertas de “uso predatório” do instrumento, segundo instituições financeiras e especialistas em crédito rural.
O que esse cenário representa para o setor
O aumento das recuperações judiciais no agro não representa apenas dificuldades pontuais — ele acende um sinal vermelho para a sustentabilidade financeira do setor. O agronegócio responde por mais de 24% do PIB brasileiro e movimenta centenas de bilhões em exportações.
O crescimento desse tipo de processo pode desencadear efeitos em cascata, como:
- Redução do crédito disponível no mercado;
- Aumento da seletividade bancária e de exigências contratuais;
- Impacto em fornecedores, tradings, agroindústrias e cooperativas;
- Retração de investimentos em inovação e expansão da produção.
Além disso, casos como o do Grupo Bergamasco mostram que nem mesmo empresas tradicionais, com décadas de atuação e relevância regional, estão imunes ao desequilíbrio financeiro.
A homologação da recuperação judicial do Grupo Bergamasco, com R$ 236 milhões em dívidas, não é um fato isolado. Ela integra um cenário cada vez mais comum no campo brasileiro: a explosão de recuperações judiciais no agro, mesmo diante de safras recordes.
A crise financeira de produtores e empresas do setor exige atenção redobrada de gestores, bancos, cooperativas e autoridades. É hora de repensar o modelo de crédito rural, fortalecer estratégias de mitigação de risco e evitar que o campo, motor da economia nacional, continue afundando no vermelho.
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