El Niño bagunça o clima mundial e afeta a produção de alimentos

Fenômeno El Niño provoca excessos e escassez de chuva em várias partes do mundo com impacto na produção mundial de grãos; Safra recorde brasileira já aponta uma queda na produtividade esperada para o próximo ano

O fenômeno El Niño bagunça o clima no mundo todo e altera os padrões dos regimes de chuva em todo o planeta, com consequências mistas para a produção de alimentos e a agricultura mundial. Há excesso de chuva em alguns locais e escassez em outros, o que afeta a produção mundial de grão e mexe com o mercado. O temor é que o El Niño afete o rendimento das colheitas e deixe 110 milhões de pessoas necessitadas de assistência alimentar, segundo cientistas que fazem parte da Rede de Sistemas de Alerta Antecipado contra a Fome (FEWS NET).

O El Niño ainda está se intensificando no Pacífico Equatorial e deve atingir sua máxima intensidade no final deste ano e no começo de 2024. Trata=se de um aquecimento cíclico das águas superficiais do mar e que altera os padrões de precipitação no mundo todo. São previstas, por exemplo, condições mais úmidas no Sul dos Estados Unidos e no Chifre da África e condições mais secas no Sul de África, no Centro-Norte da América do Sul, na Austrália e em partes do Sudeste da Ásia.

O forte a potencialmente intenso evento El Niño deste ano deverá contribuir para elevados níveis de insegurança alimentar em certas regiões do mundo. “Estima-se que os eventos do El Niño afetem o rendimento das colheitas em pelo menos um quarto das terras agrícolas globais”, disse Weston Anderson, cientista assistente de investigação da equipa científica da FEWS NET. “E embora haja incerteza sobre como os rendimentos das colheitas serão afetados este ano, porque variam de um evento El Niño para outro, sabemos que haverá prejuízos”, afirmou.

O mapa abaixo, desenvolvido pela FEWS NET, mostra o impacto projetado do El Niño nas principais culturas de produtos básicos, incluindo trigo, milho, arroz, soja e sorgo. O mapa foi baseado em uma análise de rendimentos históricos de colheitas e dados climáticos de 1961 a 2020. Cientistas da NASA Harvest e do Goddard Space Flight Center da NASA, NOAA, da Universidade de Maryland e do Centro de Riscos Climáticos da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara contribuíram para o desenvolvimento do mapa.

FEWS NET

Com base na análise de Anderson e colegas sobre os rendimentos históricos das colheitas, é provável que o El Niño traga baixos rendimentos de milho na África Austral e na América Central devido à seca. A produção de trigo na Austrália e a produção de arroz no Sudeste Asiático também são normalmente reduzidas.

Em média, de acordo com as análises estatísticas dos pesquisadores, os rendimentos globais da soja melhoram durante um evento El Niño. A América do Sul é uma dos locais do mundo que produz mais soja sob El Niño com chuva mais benéficas na Argentina e no Sul do Brasil.

EUROPA ENFRENTA DIFICULDADES

Os últimos meses foram de secas e aquecimento recorde em vários países da Europa, o que somou ainda mais dificuldades aos produtores do continente. Alguns países sofrem há anos com escassez de chuva e nos últimos meses a situação piorou ainda mais em parte do continente europeu.

O clima extremo no ano passado, antes mesmo do El Niño, já havia afetado as safras de diversos países europeus, assolados por secas e calor extremo. A queda da produção de cereais colhidos na União Europeia em 2022 foi impulsionada pela Romênia, afetada pela seca (baixa de 32% com declínio de 8,9 milhões de toneladas), França (-10% e declínio de 7 milhões de toneladas), Espanha (-24% e queda de 6,2 milhões de toneladas) e Hungria (-35% com declínio de 4,9 milhões de toneladas).

COMISSÃO EUROPEIA

Foram poucos países onde a colheita global de cereais aumentou. Casos da Alemanha (+3% e aumento de 1,1 milhão de toneladas), Finlândia (+39% e recuperação de 1,0 milhões de toneladas após uma má colheita em 2021) e Polónia (+3% com aumento de 1,0 milhões de toneladas).

Seca generalizada e o estresse térmico afetaram os níveis globais de produção de cereais no bloco. A produção agrícola é altamente sensível às condições climáticas, tanto durante a estação de crescimento como na colheita. Em muitas regiões da Europa, as temperaturas máximas diárias durante o verão de 2022 foram as mais altas ou as segundas mais elevadas.

EL NIÑO AFETA AGRICULTURA NO BRASIL

O mais recente levantamento sobre a safra brasileira 2023/24 da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) reduziu a estimativa para a produção nacional pelo impacto do fenômeno El Niño na produção de trigo. A previsão agora é de uma colheita de 316,7 milhões de toneladas de grãos e fibras contra 317,5 milhões da estima anterior, do mês passado.

O trigo foi o grande vilão para a queda. A produção do cereal no Brasil agora é calculada em 9,6 milhões de toneladas, 8,7% menos que o previsto no mês passado. A razão para a queda, de acordo com a Conab, é a queda de produtividade no Rio Grande do Sul por conta do excesso de chuva relacionado ao fenômeno El Niño.

Inmet

O impacto do El Niño é enorme na produção de trigo gaúcha. A produção da Conab passou a ser de 3,97 milhões de toneladas, ou 30,5% abaixo do colhido no ano passado, safra que teve volume foi recorde no estado. Excesso de chuva e temperatura acima da média ainda piora a qualidade do trigo e afeta o rendimento dos produtores com doenças causadas por fungos nas plantas.

EL NIÑO ATINGE OUTRO GRANDE PRODUTOR MUNDIAL DE GRÃOS

A Austrália registrou o outubro mais seco em mais de 20 anos devido ao El Niño, o que fez com que condições quentes e secas afetassem o rendimento das colheitas em um dos maiores exportadores de graõs do mundo. O cenário pode piorar ainda mais com o verão seco que se antecipa para a Austrália.

Em seu relatório regular sobre a seca, o Bureau of Meteorology disse que o mês passado foi o outubro mais seco na Austrália desde 2002, com precipitações 65% abaixo da média de 1961-1990. De acordo com o BoM, todas as partes da Austrália, exceto o estado de Victoria, tiveram chuvas abaixo da média. O estado da Austrália Ocidental – de longe a maior região exportadora de grãos – teve o outubro mais seco já registrado.

Após três anos de chuvas abundantes pela La Niña, o fenômeno climático El Nino trouxe um clima quente e seco para a Austrália. O país enfrentou o setembro o mais seco desde que os registros começaram em 1900. As chuvas em algumas partes do país no início de outubro trouxeram modesto alívio, mas a colheita de trigo do país ainda deverá cair cerca de 35% este ano, para cerca de 26 milhões de toneladas.

IMPACTO NO ARROZ ASIÁTICO

O El Niño normalmente impacta o Sudeste Asiático com condições mais secas do que a média, geralmente reduzindo as chuvas e levando à ameaça de seca. Cerca de 90% do arroz mundial é cultivado e consumido na Ásia.

Sendo um alimento básico para mais de metade da população mundial, é uma das culturas mais importantes para sustentar a segurança alimentar global. Mas é uma cultura semi-aquática que exige muita água, normalmente prosperando em áreas muito úmidas. O El Nino coloca em risco a sua produção.

Os países do Sudeste Asiático começaram a impor restrições à exportação de arroz para outros países, levando a preços mais elevados para os países que dependem das importações. O fenômeno El Nino também reduz as colheitas de milho nas Filipinas; diminuiu a produção hidroelétrica no Vietnã, levando a cortes de energia; diminuiu a produção de grãos de café em até 20% no Vietnã; interrompeu a produção de óleo de palma na Malásia e na Indonésia; e compromete a colheita de cana-de-açúcar na Tailândia.

Fonte: MetSul

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