Exportador de café teme que Rússia deixe de pagar e avalia opções

Com as sanções por causa da guerra, setor estuda redirecionar volumes para outros mercados onde o consumo da bebida também está crescendo.

Como continuar a atender o mercado russo e receber pelo produto? Essa é a grande dúvida do exportador de café brasileiro desde quando a Rússia iniciou uma ofensiva militar contra a Ucrânia, que já dura mais de um mês, e levou Estados Unidos e a Europa a imporem sanções comerciais ao país. A situação atinge o sexto principal destino do café brasileiro – segundo dados do setor -, que, no ano passado,  importou 1,22 milhão de sacas de 60 quilos do Brasil, gerando uma receita de US$ 177 milhões.

Segundo o Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), a guerra afeta os negócios em um momento de crescimento do consumo da bebida na Rússia. No primeiro bimestre deste ano, os embarques do Brasil foram de 233,6 mil das 3,4 milhões de sacas  no total, 14% a mais do que no mesmo período de 2021. No mundo, os russos são o quarto maior importador de café, com um volume entre 7 milhões e 7,5 milhões de sacas por ano, atrás da Europa, Estados Unidos e Japão.

“Ainda é prematuro ter um diagnóstico para o setor porque as sanções começaram no final de fevereiro. Vender e receber é a primeira dificuldade. Deveremos sentir o impacto mesmo no fechamento das exportações de março”, diz Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé. Segundo ele, a retirada dos russos do sistema financeiro Swift, que permite os pagamentos internacionais, tem levado os exportadores de café brasileiros a segurar o produto enquanto buscam alternativas.

Márcio Cândido Ferreira, conselheiro do Cecafé e diretor-superintendente da Tristão Comércio Exterior e da indústria de torrefação Real Café, ambas no Espírito Santo, diz que a logística que já estava ruim por causa da pandemia. Agora piorou, porque os navios não podem atracar nos portos da Rússia ou Ucrânia. “Uma alternativa seria desembarcar o café em portos próximos como o da Lituânia e transferir por terra para a Rússia. Mas aí vem a dúvida: como receber?”

Segundo ele, as grandes importadoras e multinacionais instaladas na Rússia conseguem pagar por outras vias porque têm operações em vários países, mas os pequenos importadores, que trabalham com a moeda local (rublo) tiveram que paralisar os negócios. Ferreira ressalta que, além do café verde, que representa atualmente, segundo o Cecafé, de 75% a 80% do volume importado pelos russos, o país é o segundo maior mercado do café solúvel brasileiro. A Ucrânia é o oitavo.

No ano passado, os russos importaram 42,8 mil toneladas de café solúvel, sendo 7.750 toneladas do Brasil. Só a Alemanha, com 7.800 toneladas, vendeu mais para lá. A Ucrânia importou 16 mil toneladas de vários parceiros. “São 58,7 mil toneladas de café solúvel que podem ficar sem destino”, diz o superintendente, acrescentando que a Tristão não sofre tanto impacto, porque a maior parte de suas exportações é de um tipo de café solúvel que tem pouco consumo na Rússia.

Heron concorda que o café pode chegar por via terrestre à Rússia, desde que seja elucidada a questão do pagamento. Ele cita o caso da Síria, que importava de 500 mil a 600 mil sacas de café por ano antes da guerra civil iniciada em 2011. “Na guerra, o consumo derreteu, mas cresceu paralelamente na vizinha Turquia, que viu uma janela de oportunidade e passou a importar o produto e repassar para a Síria.”

“Vender e receber é a primeira dificuldade. Deveremos sentir o impacto mesmo nas exportações de março” Eduardo Heron, diretor técnico do Cecafé

O diretor do Cecafé diz que uma alternativa para o exportador de café brasileiro, caso a guerra se prolongue e as sanções à Rússia sejam mantidas, é desviar o café para outros mercados que vêm aumentando o consumo, mas isso não é imediato e depende de campanhas de estímulo. É o caso da China, que elevou em 69% as compras do Brasil no ano passado, que somaram 320 mil sacas.

“O volume ainda é pequeno, mas o potencial é enorme. A China, grande consumidora de chá, tem atualmente mais de 14 mil cafeterias, sendo metade da Starbucks. Fizemos em janeiro uma semana de promoção do café brasileiro por lá. Diz um ditado no meio que, se cada chinês tomar uma chícara de café em seu aniversário, o consumo dispara e o Brasil, que produz 36% do café mundial, teria que dobrar a produção.”

Preço do café cai

Até o início da guerra, os preços internacionais do café vinham em alta, com a variedade arábica valendop US$ 2,50 por libra-peso, em Nova York, principal referência de formação de preço do produto. Desde então, o mercado vem em tendência de queda. Os preços atuais estão em torno de US$ 2,20. “Os investidores migraram os recursos para outras commodities enquanto analisam o mercado futuro”, diz Ferreira, da Tristão. Ele ressalta que o preço para o produtor ainda está bom. Em 2019, era de US$ 1,10 por libra.

Heron, do Cecafé, destaca, no entanto, que nos primeiros meses do ano passado, o produtor estava comercializando uma safra volumosa e não havia problemas de logística. Já a partir do segundo semestre de 2021, o ciclo de produção do arábica foi impactado pela seca e pela escassez de contêiner, levando empresas a embarcar café pelo sistema breakbulk (carga solta no porão dos navios) e até por avião. “Tivemos cinco embarques por breakbulk desde novembro, com 600 mil sacas.”

O fato de a Rússia ser um grande produtor de petróleo já impactou o preço dos combustíveis no Brasil e deve elevar ainda mais os fretes, aponta Heron, ressaltando que 100% do café é transportado no país pelo modal ferroviário. “E essa alta deve chegar também ao combustível de navegação, elevando os custos de exportação.”

Outra questão importante, citam os dois especialistas, se refere aos fertilizantes e à dependência do Brasil do produto russo, que representou cerca de 20% das 40 milhões de toneladas importadas no ano passado. Há riscos de preços ainda maiores e até de falta de produto.

“Esse é um grande problema para a produção nacional, embora o governo venha fazendo algumas ações para tentar elevar o fornecimento de outros países como o Canadá e a Embrapa tenha lançado uma caravana para mapear e reduzir o consumo de fertilizantes sem afetar a produção”, lembra Ferreira, que também é presidente do Centro de Comércio de Café de Vitória.

“Uma alternativa seria desembarcar o café em portos próximos como o da Lituânia e transferir por terra para a Rússia. Mas aí vem a dúvida: como receber?” Márcio Cândido Ferreira, superintendente da Tristão

A Fazenda Dutra, na região de Manhuaçu, no sudeste de Minas Gerais, não exporta para a Rússia, mas sente os efeitos da guerra com a Ucrânia em seus negócios. A propriedade tem 1,2 mil hectares de café orgânico, produção tocada por Edmilson Alves Dutra, a mãe e três irmãos. Das 35 mil sacas produzidas anualmente, 70% a 80% vão para Suécia, Estados Unidos, Alemanha, Suíça, Itália, Japão e China e já embarcou café também para a Ucrânia.

“Embora, a gente não exporte para a Rússia, o preço no mercado internacional caiu de 10% a 20% nos últimos dias como reflexo da dúvida no mercado sobre os rumos do conflito. E, mesmo sem usar fertilizantes químicos, tivemos aumento de preços do esterco”, diz Dutra. A fazenda dos Dutra faz exportação direta, com embarque em contêiner na propriedade, que vai direto para o porto de Santos. O aumento dos combustíveis causado pelo conflito também elevou o custo de produção.

Flávia Lancha, produtora e exportadora de cafés especiais da fazenda Labareda na região de Franca que embarcou 18 toneladas do produto para Londres em duas cargas de avião no ano passado devido à falta de contêineres, diz que ainda não houve um impacto direto nos embarques porque o período é de entressafra.

“A nova safra começa em abril e maio, mas certamente todo café brasileiro vai sofrer os impactos se a guerra continuar”, disse. A família Lancha não exporta para a Rússia ou Ucrânia. Os principais clientes são Alemanha, Inglaterra e Itália. “Pode haver um reflexo indireto porque é comum esses importadores europeus levarem o café verde brasileiro, processar e exportar para outros países, incluindo a Rússia”, sugere Flávia.

Fonte: Globo Rural

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