INs 76 e 77: após um ano o mundo não acabou

O tempo passou, a polêmica diminuiu, os ânimos se acalmaram e o setor segue seu caminho. Ouvi relatos de significativa melhora nos padrões de qualidade do leite.

O cenário apocalíptico que se desenhava em algumas esferas não se confirmou. Ouvi relatos de significativa melhora nos padrões de qualidade do leite recebido por empresas que nunca fomentaram ou remuneraram por qualidade e que na época pleiteavam por mais um adiamento. Atualmente, o proprietário de uma dessas empresas tem afirmado para quem quiser ouvir que as novas normativas foram fundamentais para o setor e que “não podemos retroceder”.

Após perceber a influência da qualidade no seu processo industrial e no produto final, lançou seu primeiro programa de pagamento por qualidade e implantou uma equipe de fomento para atender seus fornecedores.

É fato que somente o status de lei não é suficiente para alavancar mudanças, mas também é verdade que sem uma política que estabeleça limites e sanções, a eterna educação continuada também não será capaz de promover evolução. Evidente que no caso dessa empresa, a mudança de estratégia só ocorreu porque a experimentação do leite de melhor padrão trouxe resultados, mas esse leite só ficou disponível porque a nova normativa estimulou os produtores a dar uma primeira resposta.

A virada da chave fez com que o setor se mexesse: deixou de ser possível alguns produtores alegarem que não conseguiam de forma nenhuma e também não tinha mais espaço para indústrias fingirem que educavam continuadamente seus fornecedores. Passamos a ter limites e algumas consequências (ainda leves) na possibilidade do não atingimento dos índices.

Em outro artigo que escrevi na época (Ins 76 e 77, precisamos de mais tempo?), afirmei com veemência que as mudanças eram amenas e que não seria aquela catástrofe toda que alardeavam. Fui surpreendido com reações muito fortes, dos que apoiavam a minha posição e ainda mais dos que eram contrários. Entendi que aquele era um momento de insegurança, no qual constantes discussões políticas acerca do tema polemizaram ainda mais a questão.

Estávamos diante de um setor dividido em dois lados muito distintos: um composto por produtores e indústrias profissionais com bons resultados e que se sentiam prejudicados pela outra parte, outro por agentes amadores, sem qualidade e que mantinham a cadeia do leite a mercê do julgamento dos consumidores e da sociedade.

No momento da virada, não era mais possível negociar. O atraso já era muito grande e as mudanças propostas, de tão amenas, somente alteravam o dia-a-dia de quem não estava fazendo nada. Permaneciam “deitados eternamente em berço esplendido”, acomodados em uma zona de conforto mantida pelas práticas de mercado e pela legislação vigente até então.

Muito se falava da diversidade regional e das limitações estruturais. Mais de duas décadas antes foram levantadas as mesmas questões para justificar o pedido por adiamento de outro marco importantíssimo para o setor: a granelização do leite. Exercite imaginar o setor leiteiro nacional hoje com coleta de leite no latão se o MAPA cedesse às pressões naquele momento.

Após a implantação das INs 76 e 77, quem estava fora e conseguiu se adequar entendeu que esses devem ser itens inegociáveis da sua atividade. Tente propor a um produtor que conseguiu ajustar a sua Contagem Bacteriana a voltar no status anterior, ou a uma indústria que está recebendo leite a 5°C voltar a aceitar o produto com 12°C.

Estamos somente no início de um caminho de fortes mudanças que vem por aí.

Quem dita as mudanças não são as forças governamentais – a mão invisível do mercado global está moldando a cadeia do leite brasileiro para uma competição por espaço que começou a bastante tempo. Largamos atrasados, mas temos um potencial enorme para brigar nas primeiras posições.

Pensando no que temos de maior valor que é o mercado interno, precisamos oferecer mais credibilidade à sociedade: estamos falando de segurança alimentarresponsabilidade ambiental, social e com os animais. 

Mesmo acreditando que o joio sempre é separado do trigo por seleção natural, às vezes precisamos de um empurrãozinho. Ficou comprovado mais uma vez que quando os padrões se modificam por força de lei, a engrenagem roda com mais intensidade e as coisas acontecem.

Ainda temos limites extremamente altos de CBT (300 mil nas fazendas e 900 mil nos silos das indústrias) e precisamos criar um mecanismo individualizado de redução continuada da mastite, melhorando assim os índices médios da Contagem de Células Somáticas.

Devemos agir antes que venha nova atualização legal para que seja uma transição mais amena, menos traumática, conflituosa e politizada. 

Fonte: Milk Point

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