Prática milenar, parte da ‘Transumância’ reconhecida pela UNESCO, une etologia e manejo para proteger os animais mais jovens do rebanho
Para os pecuaristas italianos que praticam a migração sazonal de rebanhos, um dos maiores desafios logísticos é o transporte de cordeiros recém-nascidos, frágeis demais para a longa jornada. A solução, aperfeiçoada por séculos, não envolve tecnologia moderna, mas sim asininos.
Estes animais, conhecidos por sua força e temperamento calmo, assumem o papel vital de “babás”, garantindo que os membros mais jovens do rebanho cheguem ao destino em segurança. Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo.
A logística da transumância
A Transumância é a migração sazonal de rebanhos, movendo-se de pastagens de verão (em altas altitudes, nos Alpes e Apeninos) para planícies mais baixas e quentes no inverno. Este movimento, que pode cobrir centenas de quilômetros, é uma tradição tão vital para a cultura italiana que foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade em 2019.
O desafio surge na época da parição. Enquanto ovelhas, cabras e os próprios burros adultos têm resistência para a longa jornada, os cordeiros nascidos há poucos dias ou semanas não. Eles são pequenos e frágeis demais para acompanhar o ritmo.
É aqui que entram as “balie d’asino” – as “babás-burro”.
Para solucionar o problema, os pastores italianos desenvolveram, ao longo dos séculos, selas especiais. Estas selas são, na verdade, um tipo de alforje com grandes bolsas de lona ou couro, projetadas para acomodar confortavelmente os cordeiros. Cada burro, conhecido por seu temperamento calmo e passo seguro em terrenos montanhosos, pode carregar vários cordeiros de uma só vez.
Durante a marcha, os cordeiros viajam protegidos e aquecidos nessas bolsas. Em paradas programadas ao longo do dia, os pastores retiram os pequenos passageiros das selas e os levam às suas respectivas mães para que possam mamar e fortalecer o vínculo, antes de serem cuidadosamente acomodados novamente para o próximo trecho da viagem.
Protetores por natureza

O papel de “cuidador” do burro não se limita apenas ao transporte durante a Transumância. A etologia (ciência do comportamento animal) explica por que os asininos são excelentes companheiros para rebanhos de ovinos, uma prática que se estende além da Itália.
- Instinto de Proteção Territorial: Burros são animais naturalmente territorialistas e possuem uma aversão instintiva a canídeos, como lobos, raposas e cães vadios — os predadores mais comuns de ovelhas e cordeiros.
- O “Guarda” do Rebanho: Quando integrados a um rebanho de ovinos, os burros (especialmente as fêmeas, ou “asinas”) frequentemente assumem um papel de guardião. Ao perceber uma ameaça, o burro emite um zurro alto que serve de alarme e, não raro, parte ativamente para o confronto, usando coices e mordidas para afastar o predador. Para um cordeiro órfão ou vulnerável, a presença de um burro é sinônimo de segurança.
- Adoção e Companhia: Em algumas propriedades, fêmeas de burro com forte instinto maternal chegam a “adotar” cordeiros órfãos. Elas permitem que os cordeiros fiquem por perto, oferecendo conforto social e proteção. Este “apadrinhamento” reduz drasticamente o estresse do cordeiro, que, de outra forma, ficaria isolado e vulnerável, melhorando suas taxas de sobrevivência e desenvolvimento.
Uma lição de manejo integrado
A tradição italiana das “burro-babás” é um exemplo clássico de manejo zootécnico que utiliza o comportamento natural de uma espécie para solucionar um problema de produção em outra. É uma solução de baixo custo, sustentável e que demonstra um profundo respeito pelo bem-estar animal.
Enquanto o agronegócio moderno busca soluções em alta tecnologia, a prática da Transumância e o uso de burros como cuidadores nos lembram que, muitas vezes, as respostas mais eficazes estão na observação da natureza e na sabedoria acumulada por gerações de produtores rurais.
Escrito por Compre Rural.
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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