
Espécie redescoberta suporta calor extremo e possui sabor semelhante ao do arábica, trazendo novas perspectivas para o futuro do café, a bebida mais consumida do planeta
Todos os dias, bilhões de pessoas iniciam suas rotinas com uma xícara de café — um ritual que movimenta um mercado global gigantesco e sustenta milhões de pequenos agricultores, especialmente em regiões tropicais. Nos últimos anos, esse consumo vem crescendo em ritmo acelerado em países como China e várias nações africanas, ampliando ainda mais a importância econômica e social da cultura cafeeira.
Apesar disso, o futuro do café enfrenta desafios preocupantes. As mudanças climáticas têm afetado seriamente os principais polos produtores, como Brasil, Vietnã e Colômbia. Eventos extremos, como secas prolongadas, chuvas fora de época e ondas intensas de calor, têm tornado as safras mais imprevisíveis, pressionando a oferta e elevando os preços a patamares recordes.
Para especialistas, garantir a continuidade da produção exigirá mais do que simples adaptações nas lavouras. Segundo Aaron Davis, pesquisador do Jardim Botânico Real de Kew, a solução está em diversificar as espécies cultivadas. Das mais de 130 variedades conhecidas do gênero Coffea, algumas pouco exploradas podem oferecer resistência e qualidade frente aos novos desafios climáticos.
Entre elas, uma espécie rara da África Ocidental tem chamado a atenção: Coffea stenophylla. Com capacidade de suportar temperaturas até 7 °C mais altas que a tradicional arabica, essa planta representa uma esperança realista para manter a produção em regiões cada vez mais quentes. E o melhor: seu sabor tem sido comparado ao do arabica, algo incomum entre os cafés adaptados a ambientes extremos.
Desde sua redescoberta em 2018 por Davis, ao lado do cientista Jeremy Haggar, da Universidade de Greenwich, e do pesquisador local Daniel Sarmu, o stenophylla vem sendo alvo de estudos intensivos. Os primeiros exemplares foram encontrados em áreas remotas de Serra Leoa, após a equipe rastrear registros históricos e analisar grãos antigos guardados em herbários. O achado surpreendente revelou que a planta já era cultivada no século XIX, inclusive em baixas altitudes — o que contraria a prática moderna de cultivar café em regiões montanhosas.
A partir dessa descoberta, iniciativas para reintroduzir a espécie foram colocadas em prática, com apoio da empresa Sucafina, da ONG Welthungerhilfe e de comunidades locais. Ensaios de cultivo estão em andamento em diversas regiões de Serra Leoa, com a primeira colheita prevista para este ano. Pesquisadores acompanham de perto as condições ideais de solo, umidade e temperatura, com o objetivo de identificar linhagens mais adaptadas.
O interesse pelo stenophylla só cresce. Estudos indicam que, além da resiliência térmica e do sabor refinado, a planta contém teacrina — um composto semelhante à cafeína, mas com efeitos menos intensos no organismo, o que pode atrair consumidores em busca de uma experiência mais suave. Há ainda projetos que buscam combinar o stenophylla com outras espécies resistentes, como a excelsa, por meio de enxertos, unindo produtividade e tolerância climática.
Contudo, o uso comercial dessa variedade envolve questões legais: os direitos sobre sua exploração pertencem aos países de origem, o que requer acordos internacionais e parcerias respeitosas com as comunidades locais.
Em meio a um cenário de instabilidade climática crescente, investir na diversidade genética do café deixou de ser uma proposta teórica para se tornar uma necessidade concreta. A busca por espécies mais adaptáveis pode ser a única forma de manter viva uma das bebidas mais consumidas — e culturalmente enraizadas — do planeta.
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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