O gigante do leite está adormecido, por quê?

Produção de leite na América do Sul segue forte, mas Brasil é exceção; Quais os motivos do maior país produtor de leite da América do Sul não crescer?

O mundo parece dramaticamente diferente para os produtores de leite da América do Sul do que era há apenas um ano. Depois de ver os volumes se contraírem em 2019 devido ao clima e economia desfavoráveis, a produção de leite voltou a crescer decisivamente em 2020. Essa conquista está sendo contrabalançada pela tremenda incerteza trazida pela pandemia do coronavírus.

A maioria dos principais países produtores de leite da América do Sul viram a produção aumentar significativamente durante a primeira metade do ano. Os ganhos foram especialmente pronunciados entre os principais exportadores da região. Na Argentina e no Uruguai, o crescimento acumulado no ano foi de 8,7% e 3,9%, respectivamente, durante os primeiros seis meses de 2020. Aumentos importantes também foram testemunhados por países importadores líquidos ao longo da costa do Pacífico, especificamente na Colômbia e Chile.

O clima drasticamente melhorado apoiou o crescimento da produção na maior parte do continente. Em comparação com o ano anterior, as temperaturas permaneceram amenas e a precipitação foi suficiente para manter a qualidade do pasto saudável. Os custos operacionais também permaneceram moderados, o que ajudou a impulsionar as margens dos produtores, mesmo com os preços do leite permanecendo estáticos.

A gritante exceção ao crescimento da produção tem sido o Brasil, o maior país produtor de leite da América do Sul. Ao contrário de grande parte da região, partes do Brasil sofreram com a seca durante a primeira metade do ano, que teve implicações negativas para a produção de leite. Essa situação foi exacerbada pela dinâmica cambial que tornou os produtos importados não competitivos e aumentou a demanda por leite cru produzido internamente.

Impacto do coronavírus

Como em outras partes do mundo, a demanda do consumidor mudou radicalmente com o isolamento iniciado na América do Sul em março. O foodservice evaporou da noite para o dia, reduzindo a demanda por produtos como queijo e doce de leite. Por outro lado, a demanda no varejo por produtos lácteos frescos aumentou. O surgimento dessas ordens tem sido irregular, com algumas regiões se aproximando do “normal”, enquanto outras permanecem sob estrita orientação de bloqueio.

De modo geral, os processadores em toda a América do Sul foram bem-sucedidos em acomodar a mudança na demanda dos consumidores durante a pandemia, redirecionando o leite para produtos de alta demanda. Com algumas exceções, não houve relatos generalizados de escassez de produtos no varejo ou de excesso de leite sendo descartado.

É fundamental reconhecer que esse reequilíbrio foi facilitado pelo fato de que a região estava passando por uma temporada de baixa produção durante a onda inicial da pandemia que ocorreu no outono. Conforme a América do Sul avança para os últimos meses de 2020, a produção de leite aumentará sazonalmente nos meses da primavera. Embora isso alivie a tensão em mercados pressionados como o Brasil, outros países podem, em breve, se encontrar em um cenário de excesso de oferta.

Desafios de exportação

Especialmente entre os exportadores da região, muito do excesso de oferta de leite provavelmente será transformado em leite em pó, especialmente leite em pó integral. Em circunstâncias normais, uma porcentagem significativa desse leite em pó iria para o mercado de exportação. Claro, 2020 é tudo menos típico.

Uma dramática desvalorização cambial do Real brasileiro, principal destino do produto argentino e uruguaio, reduziu o poder de compra dos importadores daquele país. Embora o Real tenha se recuperado um pouco depois de atingir sua mínima em meados de maio, ele permanece 20% mais barato do que na virada do ano. Além disso, no caso da Argentina, os controles cambiais implementados pelo governo para aumentar a confiança no Peso deixaram a moeda artificialmente sobrevalorizada, reduzindo os incentivos às exportações.

Muitos dos destinos alternativos de exportação da região estão enfrentando seus próprios desafios, com perspectivas prejudicadas pela pandemia e fragilidade econômica. Compradores como Argélia e Rússia também sentiram o efeito dos preços do petróleo bruto mais fracos e, como resultado, estão controlando os gastos.

Sem destinos de exportação viáveis, muito do produto excedente poderia ser forçado a ser armazenado. Embora não seja incomum ver os estoques crescerem durante o pico da temporada de produção, se muito produto se acumular, isso terá o potencial de pesar no mercado e colocar uma pressão significativa para baixo nos preços das commodities lácteas nos próximos meses.

Se isso se concretizar, os produtores de leite da região correrão o risco real de ver seus pagamentos de leite encolherem. Embora a economia do produtor tenha sido razoavelmente boa nos últimos meses, muitos estão saindo de anos difíceis e um período prolongado de preços baixos do leite pode ser devastador.

É claro que ainda há muitas perguntas sem resposta e a natureza fluida da pandemia promete continuar levantando dúvidas. Mesmo que a situação na América do Sul tenha permanecido relativamente equilibrada até agora, há motivos para preocupação com o futuro.

Artigo de Monica Ganley, da Quarterra, para a Hoard’s Dairyman, traduzido pela Equipe MilkPoint.

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