
Casos recentes de crueldade expõem a urgência de fiscalização, conscientização dos tutores e leis mais rigorosas para proteger cavalos em eventos tradicionais, como a cavalgada.
As cavalgadas, eventos profundamente enraizados na cultura brasileira, evocam imagens de tradição, celebração e a conexão entre o homem e o cavalo. No entanto, por trás do brilho das festividades e da nostalgia do passado, esconde-se uma realidade perturbadora: o crescente número de casos de maus-tratos e o flagrante desrespeito aos limites físicos e emocionais dos animais. O que deveria ser uma demonstração de parceria e cuidado tem se transformado, em muitos contextos, em um palco para a crueldade, onde cavalos são submetidos a exaustão, ferimentos e até mesmo mutilações, levantando um alerta urgente sobre a necessidade de reavaliar as práticas e fortalecer a proteção animal.
Um dos episódios mais chocantes e recentes que trouxe à tona a gravidade dos maus-tratos em cavalgadas ocorreu em agosto de 2025, na cidade de Bananal, interior de São Paulo. O caso envolveu um cavalo, carinhosamente chamado de ‘Gaúcho’, um macho jovem de aproximadamente 8 a 10 anos. Segundo investigações, o animal foi submetido a uma cavalgada exaustiva, percorrendo cerca de 14 quilômetros em uma área de muitas subidas.
O desfecho foi trágico: ‘Gaúcho‘ não resistiu ao percurso e caiu por exaustão. O que se seguiu foi ainda mais revoltante. O tutor do animal, confessou ter mutilado as patas do cavalo com um facão. Embora o tutor tenha alegado que o animal já estava morto no momento da mutilação e que estava embriagado, o laudo da Polícia Civil contradiz essa versão, apontando que o cavalo estava vivo quando teve as patas decepadas. Além da mutilação, o animal apresentava diversas lesões no corpo e no abdômen, e a justificativa para a crueldade seria a intenção de facilitar o descarte do corpo em uma ribanceira.
A repercussão do caso foi imediata e gerou uma onda de indignação em todo o país. Personalidades como a ativista Luísa Mell e a cantora Ana Castela usaram suas plataformas para cobrar justiça e mobilizar a população contra a impunidade. A Justiça agendou para o dia 6 de outubro a audiência de julgamento de Andrey, que é réu por prática de maus-tratos contra animais, com emprego de métodos cruéis para abate. A pena prevista no código penal para essa infração varia de três meses a um ano, além de multa, mas pode ser aumentada em até quatro meses considerando o agravante.
Diante da crescente preocupação com o bem-estar animal em eventos como as cavalgadas, o poder público tem sido pressionado a agir. No Senado Federal, um projeto de lei apresentado em 2021 pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO) busca endurecer as penas para crimes de maus-tratos contra animais. A proposta prevê detenção de 4 a 16 anos para quem praticar abuso, ferir ou mutilar animais, com a punição dobrada caso o autor do crime seja o proprietário do animal. Atualmente, o Projeto de Lei 519/2021 está em análise na Comissão de Meio Ambiente.
Em nível estadual, Minas Gerais, um estado com forte tradição equestre, viu a apresentação do Projeto de Lei nº 4.266/2025 na Assembleia Legislativa. Este PL visa instituir uma política estadual de prevenção e repressão aos maus-tratos de animais em cavalgadas, desfiles e eventos similares. A proposta detalha o que são considerados maus-tratos (utilizar animais feridos, doentes, exaustos, sem água, violência física, mutilação) e proíbe a participação de animais em condições inadequadas. O projeto também prevê que a autoridade fiscalizadora poderá interditar imediatamente a participação de animais em situação de maus-tratos e estabelece sanções majoradas, com multas destinadas a fundos de proteção animal.
Além das iniciativas legislativas, a fiscalização em eventos tem sido reforçada em algumas localidades. Em Rio Branco, no Acre, a Prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, intensificou a fiscalização durante a Cavalgada da Expoacre 2025. A ação, baseada na Lei Municipal nº 2.422, de 2022, que tipifica os maus-tratos como crime, envolve equipes que avaliam as condições dos animais no ponto de concentração. A conscientização e as penalidades, que incluem a retirada do animal do evento e multas significativas, têm contribuído para uma redução nos casos de maus-tratos na região.
Os casos de maus-tratos em cavalgadas não se limitam a atos extremos de violência, mas também se manifestam no desrespeito contínuo aos limites físicos e emocionais dos cavalos. A exaustão, a desidratação, a subnutrição e o uso de equipamentos inadequados são problemas recorrentes que comprometem seriamente o bem-estar desses animais. Cavalos são seres sencientes, capazes de sentir dor e sofrimento, e sua participação em eventos deve ser pautada pelo respeito à sua integridade.
A pressão para manter a tradição, muitas vezes, sobrepõe-se à ética e à responsabilidade. A falta de preparo dos tutores, o desconhecimento sobre as necessidades fisiológicas dos equinos e a ausência de fiscalização efetiva em muitos eventos contribuem para um cenário onde o sofrimento animal se torna invisível ou é ignorado. É fundamental que organizadores, participantes e autoridades compreendam que a cultura e o lazer não podem ser construídos às custas da dor e da exploração animal.
O cenário atual das cavalgadas no Brasil revela um paradoxo: enquanto a tradição e a paixão pelos cavalos persistem, a sombra dos maus-tratos e do desrespeito aos limites animais se alonga. Os casos recentes, como o de ‘Gaúcho’ em Bananal, servem como um doloroso lembrete da urgência em promover mudanças significativas. A aprovação de leis mais rigorosas, o reforço da fiscalização e, acima de tudo, a conscientização e educação dos participantes são passos cruciais para garantir que as cavalgadas possam continuar a existir, mas de forma ética, respeitosa e sustentável. Somente assim será possível honrar a verdadeira essência da parceria entre humanos e cavalos, livre de crueldade e sofrimento.
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