O mundo quer as riquezas do Brasil. Temos muito a dar!

Ainda que o Brasil tenha feito grandes avanços em sua legislação ambiental, na percepção da sociedade, essa é uma questão mal resolvida.

No último dia 15 de outubro, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) estreou num templo sagrado da música, o Carnegie Hall em Nova Iorque. Uma orquestra brasileira ser escolhida como parte da programação desse icônico espaço é um grande feito. É um selo de qualidade merecido após um trabalho consistente ao longo das últimas décadas, sempre em busca de excelência.

Um fator de orgulho adicional é que o segundo concerto tinha o título de “Floresta da Amazônia” com um encadeamento de peças musicais que foram acompanhadas por filmagens da floresta amazônica e outras florestas brasileiras.

O compositor central da programação foi o maior dos compositores clássicos brasileiros: Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959). Ainda jovem, excursionou pelo Brasil profundo e o que viu e ouviu influenciou sua arte por toda a vida. O folclore brasileiro e nossa natureza estão impregnados nas suas partituras e explicam, além da exuberância da sua obra, tanto sua profunda brasilidade, como sua inconteste universalidade.

A música é indissociável da natureza e sua força vital. A maioria dos instrumentos é feita de madeira e, em especial, os arcos usados pelos músicos que tocam instrumentos de cordas (violinos, violas, violoncelos e contrabaixos) são assim chamados pois, antes de achar a madeira ideal, estas se rendiam à tensão, formando mesmo um arco. A madeira capaz de dar o formato que os arcos têm hoje, retos, é a do nosso pau-brasil. Há ainda muitos outros paralelos com a natureza. Em especial com os animais: a parte tensionada do arco, que atrita as cordas para produzir o som, é feita da crina de cavalo; as precursoras das flautas teriam sido ossos de animais e a origem dos metais (trompete, trompa, trombone e tuba) remete aos chifres. Há, ainda, o couro dos animais usados como as primeiras coberturas dos instrumentos de percussão, como tambores, tímpanos e tamborins.

O inusitado de, neste espaço eminentemente rural, falar de orquestra, Villa-Lobos e as ligações entre instrumentos e a ambiente é, exatamente, mostrar a potência do apelo universal da nossa natureza e da alma brasileira para conquistar corações e mentes.

Realizar esse potencial no Agro passa por equacionar um embate entre ambientalismo e produção. Ainda que o Brasil tenha feito grandes avanços em sua legislação ambiental, na percepção da sociedade, essa é uma questão mal resolvida. Uma ressalva necessária: desmatamento ilegal e outros crimes ambientais não fazem parte dessa análise, assunto que devem ser resolvidos pelos órgãos de controle e da justiça.

Voltando à percepção viesada da sociedade, um dos principais motivos para isso é o tema ser tratado de forma maniqueísta, cada lado encarando seu oposto como “donos das trevas” e o seu próprio com o “monopólio da luz”.

Com espíritos desarmados, em uma conversa franca e racional, os dois lados descobririam que, para obtenção dos seus intentos, há muito mais sobreposição de interesses do que divergências. Ambos dependem de uma ambiente funcional que permita boa qualidade de vida e previsibilidade. Ambos precisam dos alimentos, fibra, energia e demais produtos que vêm do campo. Todos precisamos da geração de emprego e renda que chega mesmo aos locais mais ermos do país, garantidos por um Agro dentro da legalidade.

Reconhecido o que une a todos, para aparar as inescapáveis arestas, há um árbitro virtuoso: a ciência. A única obrigação das partes é aceitar seus limites. De maneira bem genérica, esses limites mostram que a produção sustentável de alimentos é viável, havendo necessidade de concessões do “produtivista a qualquer custo”, bem como o “ambientalista empedernido”. Um exemplo bem simples do primeiro caso, é o pecuarista respeitar as lotações das pastagens, evitando sua degradação. No caso do segundo, a aceitação da exploração de atividades econômicas nas áreas de reserva legal ou preservação permanente, desde que evidências científicas as indiquem como seguras (leia-se, restauráveis).

Antes de extrair o som dos instrumentos, são extraídos recursos da natureza para construí-los, mas não vemos ninguém querer boicotar orquestras por isso, afinal a sociedade reconhece que a produção de instrumentos musicais não são uma ameaça à vida na terra. Igualmente, além de perseguir uma abrangente produção de pecuária sustentável, temos que ser capazes de demonstrar que estamos no lado da solução para a manutenção da nossa riqueza ambiental. Iniciativas pontuais, como a transparência dos sistemas produtivos (“visite nossa fazenda”) são válidas, mas insuficientes. Apenas um esforço concentrado, com a participação de profissionais da comunicação, será capaz de convencer que “agropecuária” e “conservação/preservação ambiental” não são antagônicos, mas, sim, totalmente interdependentes.

A Amazônia brasileira é um ativo que vai muito além de suas riquezas minerais ou biológicas, ela é um ícone mundial, cercada de reverência e idolatrada mundo afora. Fazer o melhor uso possível desse espaço tem como maiores interessados os próprios brasileiros. Mesmo descontada qualquer riqueza lá presente, seu papel na regulação climática de uma enorme parte do país já justifica isso. Cuidá-la bem tem, como subproduto, um ativo valorizado a nos servir como fator de respeito e admiração internacional.

Nas palavras do diretor artístico da OSESP, todo o programa musical e o formato da excursão americana foi feito para juntar elementos poderosos da nacionalidade brasileira e nos mostrar ao mundo como queremos ser vistos: “um Brasil civilizado, poderoso, confiante em si mesmo, com uma voz própria e ciente do seu papel no mundo”.  Deu certo!.

O retumbante sucesso de público e crítica da passagem da OSESP pelos EUA mostra que o trabalho de longo prazo, focado em excelência, com doses carregadas de criatividade “Made in Brazil”, como encontramos em Villa-Lobos, junto com nossas riquezas naturais, é um pacote desejado mundo afora e, quanto mais entregarmos, melhor. Um bom roteiro para servir de inspiração para nosso agro.

Termino com um exemplo final de relação entre música e natureza: no mesmo arco de pau-brasil e crina de cavalo, para melhorar o atrito desta com as cordas e garantir melhor som, é usado o breu, que vem de resinas das árvores. É o mesmo breu usado pelo peão de rodeio para melhorar a pegada nas rédeas e que deu a origem à expressão “vamos pegar no breu”, significando um trabalho que exige esforço e determinação. Peguemos no breu para, acima de qualquer suspeita, sejamos a potência agroambiental que podemos ser e o mundo, mais do que apenas desejar, precisa.

O nome da trompa em inglês é french horn, ou seja, em tradução direta, chifre francês.

Houve uma prévia do concerto em São Paulo.

Fonte: Scot Consultoria

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