
No meio rural, o avanço das apostas online ‘bets’ causa endividamento, conflitos familiares e desestruturação emocional, mostrando que o prejuízo vai muito além do dinheiro perdido
O vício em apostas online, popularmente conhecidas como “bets”, deixou de ser uma preocupação exclusiva dos centros urbanos e ganhou força nas zonas rurais do Brasil. Com a promessa de ganhos rápidos e a facilidade de acesso via celular, trabalhadores de fazendas e pequenas comunidades têm se tornado alvos desse vício silencioso, comprometendo suas finanças e saúde mental.
Entre junho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros gastaram impressionantes R$ 68 bilhões em apostas online, valor que representa 0,62% do PIB nacional e 0,95% do consumo total no período. Estudos apontam que, se a tendência continuar, o prejuízo anual ao comércio pode chegar a R$ 117 bilhões. Siga a leitura e acompanhe o Compre Rural, Aqui você encontra informação de qualidade para fortalecer o campo.
Além do impacto econômico, o vício em apostas traz consequências sociais graves. Cerca de 4 milhões de brasileiros já apresentam comportamentos de risco, sendo que quase metade está endividada e 52% continuam apostando na tentativa de recuperar perdas.
O impacto nas fazendas
Nas regiões rurais, onde o acesso à informação e a alternativas de lazer é limitado, o celular tem se tornado uma porta de entrada para as apostas.
Trabalhadores rurais, muitas vezes com pouca educação financeira, enxergam nas apostas uma forma de melhorar a renda, mas acabam se endividando e prejudicando sua saúde mental.
Impacto nas famílias do campo
O drama não fica só no apostador. O entorno familiar desmorona:
- Conflitos domésticos: discussões por dinheiro desaparecido, cobranças e perda de confiança.
- Corte das necessidades básicas: o que seria destinado à saúde, alimentação ou educação vai parar nas plataformas de apostas.
- Desgaste emocional: culpa, vergonha, ansiedade e depressão aparecem com frequência.
- Efeito dominó social: filhos observam o exemplo dos pais e a desestrutura emocional se espalha na comunidade.
No campo, onde a rede de apoio é menor, falta um espaço seguro para desabafar, e quem sofre costuma ser visto como fraco ou “sem foco”.
Os números por trás da tragédia
Levantamento do Itaú mostra que, entre julho de 2023 e junho de 2024, os brasileiros movimentaram R$ 68,2 bilhões em apostas online, o equivalente a 0,6% do PIB.
Desse total, cerca de R$ 24,2 bilhões foram absorvidos em taxas pelas plataformas, enquanto os prêmios pagos aos apostadores ficaram muito abaixo, revelando a assimetria econômica desse mercado.
Segundo o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), 38,6% das pessoas que apostam estão em grau de risco ou já apresentam transtorno de jogo.
Entre adolescentes (14 a 17 anos), esse índice sobe para alarmantes 55,2%.
A revista Radis reforça o alerta: 4 milhões de brasileiros já exibem comportamentos de risco, quase metade endividada, e mais da metade segue apostando para tentar recuperar o que perdeu.
Estudos internacionais mostram que 1 em cada 3 apostadores pensa em suicídio e 1 em cada 8 já tentou , números que revelam o tamanho da crise.
E se nas cidades o problema já é grave, no campo o estrago pode ser ainda maior.
O papel perigoso dos influenciadores e da propaganda
Um dos motores desse avanço é a publicidade agressiva e constante.
Celebridades, influenciadores digitais e jogadores patrocinados reforçam a ilusão do lucro fácil.
O famoso “Jogo do Tigrinho” (Fortune Tiger), por exemplo, ganhou destaque nacional com propagandas em redes sociais, muitas delas feitas por perfis com milhões de seguidores, e até crianças promovendo apostas, em violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.
Por trás dessas campanhas há milhões em patrocínios e redes de afiliados, sem limites claros de regulação.
Enquanto a fiscalização não endurece, o estímulo segue pesado, e o trabalhador rural permanece vulnerável.
Caminhos para reverter o quadro — e um alerta ao produtor
O cenário é grave, mas não é irreversível. Existem soluções práticas que podem ser aplicadas no campo e nas comunidades rurais:
1. Educação financeira rural
Promover palestras, oficinas e cursos via cooperativas, sindicatos e associações de produtores, ensinando noções básicas de orçamento, reserva de emergência e controle de gastos.
2. Conscientização contínua
Usar rádios locais, feiras agropecuárias e grupos de WhatsApp para divulgar alertas e depoimentos reais. A mensagem precisa falar a língua do campo.
3. Ferramentas de autocontrole nas plataformas
Exigir limites de depósito, tempo máximo de uso e bloqueios automáticos para apostadores reincidentes. A regulamentação precisa sair do papel.
4. Apoio psicológico local ou remoto
Incluir no SUS e nas unidades de saúde da família o atendimento especializado em vício em jogos. O teleatendimento pode alcançar áreas distantes.
Formar grupos de apoio locais, redes de educação e saúde, e denunciar propagandas abusivas a órgãos como o Conar e o Ministério Público.
7. Responsabilização de influenciadores e plataformas
Cobrar fiscalização rigorosa e punição para campanhas que vendem apostas como forma de renda. A pressão precisa vir também da sociedade civil.
O vício nas “bets” não é uma moda urbana que chegou ao campo — é uma ameaça real, crescente e silenciosa na vida rural.
O prejuízo não se limita ao bolso: atinge famílias, saúde mental, produção e o futuro das comunidades.
Se quisermos proteger vidas, lares e colheitas, o momento de agir é agora:
- Dar voz aos agricultores que já sofreram com o problema;
- Cobrar uma regulação eficaz, e não promessas;
- Levar educação e apoio psicológico a quem mais precisa;
- Unir comunidades rurais para dizer, em coro: “Aqui não entra aposta que destrói.”
Escrito por Compre Rural
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ℹ️ Conteúdo publicado pela estagiária Ana Gusmão sob a supervisão do editor-chefe Thiago Pereira
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