Os maiores desafios da pecuária de leite

Onde estão os maiores desafios da pecuária leiteira? Uma entrevista com Marcelo Grossi, Gerente Técnico da DSM e um dos maiores especialistas no assunto.

Falar dos gargalos que encontramos na pecuária leiteira é sempre um assunto delicado. Sabemos que as realidade são inúmeras e que as dificuldades são ímpares para cada um. Entretanto, os motivos que encontramos para uma pecuária que há muito “convive” com um baixo desempenho e rentabilidade são, quase sempre, os mesmos na maior parte das fazendas.

As dificuldades em quebrar paradigmas é, com certeza, um grande desafio para a nova geração. E aqui eu uso um paragrafo de uma matéria publicada no blog da DSM, de autoria do meu amigo Marcelo, em que ele faz os seguintes questionamentos: “por que nossas vacas são inseminadas com 120, 150, 180, 210… dias em lactação e não cedo como recomendado? Por que muitas fazendas têm taxa de concepção tão baixa? Por que mesmo onde a observação de cio (taxa de serviço) e a eficiência de inseminação (taxa concepção) são razoáveis estes animais só demonstram cios férteis bem tarde?”

Para responder essas perguntas e fazer uma analise da cadeia do leite, tive o imenso prazer de entrevistar um colega de formação e um dos maiores especialistas no assunto, Marcelo Grossi Machado que é Zootecnista e Mestre em Nutrição e Produção Animal pela UFV. Atualmente ele é o Gerente Técnico de Gado de Leite Sudeste da DSM Tortuga

1. A pecuária leiteira possui hoje um perfil de produtores muito variado, em relação aos níveis tecnológicos e de produção. Você acredita que estamos caminhando para um nivelamento desse perfil ou é essa diversidade que sustenta a cadeia do leite?

Marcelo Grossi: Eu acredito que, avaliando outros países que passaram por processos semelhantes há 100, 200, 300 anos atrás (Europa, EUA, Nova Zelândia), iremos nivelar sim e nivelar por cima. Os custos fixos sobem em uma taxa 3x superior ao preço de leite e cada vez mais pequenos produtores ou produtores de baixa tecnologia irão evoluir para confinamento e para produções cada vez superiores, usando cada vez mais insumos. Haverá pequenos nichos verticalizados (leite orgânico e derivados ou mesmo leite A etc) mas o grosso será nivelado. Nossa taxa de perdas de produtores desde 2006 é de mais de 35.000 fazendas ao ano e ainda assim nossa produção fiscalizada sobe acima dos 3% a.a.

2. O que contribui para o baixo nível de produção encontrado em grande parte das propriedades: Nutrição, Reprodução ou Genética? Ou seria um conjuntos desses pilares?

Marcelo Grossi: É complexo dar apenas uma resposta pois cada região, município e produtor se encontra numa fase diversa. Particularmente na região que atuo (Alto Paranaíba e Triângulo Mineiro) destaco a genética como nova fronteira. Temos comida em quantidade e qualidade, bons nutricionistas, bons produtos. Temos conforto, com destaque ao compost barn. Reprodução sempre será desafiador na pecuária tropical. O foco agora é melhorar o gado.

Temos muita vaca ruim ainda comendo bem e vivendo bem sem pagar as contas.

Foto: Marcelo Rigueira

3. Tendo a premissa de que o produtor é mais atento ao nicho produtivo da fazenda, as vacas em lactação, o que perde ele em não atentar a fase de transição?

Marcelo Grossi: Muita coisa. Todas pesquisas que abordam a mesma tecnologia em vacas de 30-300 de DEL ao ser aplicada ao pré ou pós parto gera resultados de 2 a 10x maiores, seja em saúde, leite ou reprodução. Haja visto os trabalhos em aspersão e ventilação e estress térmico e trabalhos de aditivos. Lembrando que nessa fase você investe por apenas 60 dias (ou 42 tradicionalmente) ao invés dos 300 da lactação.

4. Ainda no tema acima, quais são os maiores gargalos que os animais passam nesse período? Você poderia citar alguns números que representam as perdas que essas doenças causam?

Marcelo Grossi: Também é difícil generalizar pois temos sistemas diversos em vários níveis tecnológicos. Mas destacaria: falta de conforto térmico, falta de balanceamento por proteína adequada e subnutrição como um todo, escore corporal errado (para cima ou para baixo), falta de anotações nessa fase, entre outros.

As doenças mais caras da atividade estão nessa fase. Destacam-se retenção de placenta que segundo a literatura varia de R$ 2000-3000/caso, cetose (1500-2000), metrite (500-700), mastite (500-1500) e problemas de casco (1000-15000).

5. Muito se fala na importância da mineralização dos animais. Qual sua recomendação, de forma sucinta, para atentar os produtores que o investimento nessa área trás retornos incalculáveis.

Marcelo Grossi: A DSM como maior produtora de núcleos e suplementos nutricionais para ruminantes do mundo trabalhar isso com muito foco e cuidado. Para não estendermos muito podemos pensar que ao calcular a diferença da mineralização correta versus por exemplo sal branco.

Estipulando um sal mineral de R$ 3,30/Kg x 100g/cab/d vs. R$ 0,40/Kg de sal branco x 100/cab/d daria uma diferença de R$ 0,29/cab/d ou R$ 100/vaca/ano.

Num rebanho de 50 vacas são apenas R$ 5000 a mais por ano, facilmente pagos por por exemplo 2 mastites a menos ou melhorias básicas em taxa de concepção.

6. No uso de antibióticos, recentemente a UE passou por um imbróglio sobre esse tema. Qual sua opinião e como o produtor brasileiro deve encarar essa questão?

Marcelo Grossi: Esse caminho é natural e todos países irão passar e ocorrerá por demanda da sociedade. Por exemplo, o  BST nos Estados Unidos, considerado a maior barreira anti-hormônios da pecuária mundial e que já está, paulatinamente, desde 2016, retirando de todos animais do país. Tanto na aplicação parenteral quando no uso alimentar a tendência de buscar produtos mais naturais é forte e constante.

Pensando nisso a DSM lançou o primeiro modulador não antibiótico do mercado brasileiro, o Crina®, baseado em óleos essenciais, tanto para vacas de leite quanto de corte.

7. Para finalizar, qual mensagem que você deixa para o pecuarista que busca um aumento da produtividade e rentabilidade dentro do sistema?

Marcelo Grossi: Se fosse fácil não precisaria de tanta gente a campo trabalhando todo dia, para convencer o produtor em mudar, melhorar. Porém em geral tenho visto ainda muita ignorância quanto ao uso correto de qualquer tecnologia. Contas simples no sentido de que investir R$ 1,00 e não ganhar nada é pior do que investir R$ 10,00 mas retornar R$ 20,00 ainda engasgam nas gargantas dos técnicos, seja por falta de conhecimento ou falta de coragem de fazer dar certo (afinal menos risco trabalhamos mais tranquilos).

Acima de qualquer coisa temos que lembrar que tecnologia é qualquer coisa, desde refrigerar seu leite em tanques de expansão (novidade nas décadas de 80 e 90) até usar o máximo de aditivo alimentar do mercado. O importante é saber medir o resultado, e nisso ainda apanhamos muito no campo.

A nova geração 2000 de produtores (filhos, netos, arrendatários) está chegando para mudar isso e espero que os profissionais que estão formando estejam prontos para falar com eles.

Como saber se a sua produção leiteira está valendo a pena

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