Dois invasores de terras entraram em confronto com a polícia em Rondônia durante uma reintegração de posse e acabaram mortos. Segundo as apurações, as versões contraditórias entre PM, CPT e proprietários das áreas seguem sendo investigadas
A tensão envolvendo conflitos agrários em Rondônia ganhou novo capítulo após uma operação policial resultar na morte de dois homens que participavam da desocupação de quatro fazendas pertencentes ao Grupo Nelore Di Gênio, em Machadinho do Oeste. O caso ocorreu na quinta-feira (20) e envolve centenas de famílias que ocupavam as propriedades, hoje alvo de uma disputa marcada por decisões judiciais, denúncias de irregularidades e acusações de violência durante a reintegração de posse.
Segundo a Polícia Militar de Rondônia, os irmãos Alex Santos Santana e Alessandro Santos Santana foram mortos após trocarem tiros com agentes do Batalhão de Choque. A corporação afirma que os policiais realizavam patrulhamento para impedir que novas ocupações fossem iniciadas quando avistaram, na rodovia RO-133, um veículo trafegando em alta velocidade.
Após ignorar a ordem de parada, o carro teria fugido em direção a uma área de mata, onde ficou atolado. Ainda conforme a PM, os ocupantes desembarcaram armados e voltaram a disparar, sendo baleados na reação policial. Eles foram levados ao hospital de Machadinho do Oeste, mas não resistiram aos ferimentos. A polícia afirma ter apreendido duas armas e munições com os irmãos.
A versão, porém, é contestada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para Josep Iborra, conhecido como Zezinho e assessor agrário da entidade, não houve troca de tiros. Ele afirma que os sem-terra já haviam deixado as fazendas de forma pacífica, após a decisão judicial que determinou a reintegração.
No entanto, muitas famílias permaneceram dispersas na região, escondidas na mata e sem ter para onde ir, após, segundo ele, serem surpreendidas por uma operação considerada excessivamente agressiva. Zezinho afirma que o cenário da morte não foi preservado para perícia, que não compareceu ao local mesmo acionada, e denuncia que a ação policial se transformou em uma “caçada humana”.
De acordo com a CPT, a desocupação das fazendas começou semanas antes, sem prévia notificação às famílias e sem apresentação de um Plano de Desocupação — etapa exigida pelo Conselho Nacional de Justiça em casos de reintegrações coletivas. Helicópteros, dezenas de viaturas e até um carro blindado teriam sido utilizados na operação, aumentando a sensação de repressão entre os ocupantes. A entidade reforça que as famílias alegam que as áreas pertencem ao poder público e teriam sido griladas pelo grupo empresarial.
As liminares de reintegração de posse foram expedidas entre 30 de maio e 3 de outubro, com decisões de dois juízes do Tribunal de Justiça de Rondônia. A PM sustenta que cumpria a determinação judicial e que tinha o dever de garantir a segurança dos oficiais responsáveis pela remoção dos ocupantes. A corporação reafirma que os irmãos atiraram contra os agentes e que a intervenção ocorreu dentro da legalidade, destacando que o Batalhão de Choque continuará na região para manter a ordem durante a Operação Reintegração de Posse Grupo Di Gênio.
Já os advogados do grupo Di Gênio informaram que as ocupações pelos invasores de terras se repetem desde o ano passado. Eles afirmam que, ao invadir as áreas produtivas usadas para recria e engorda de gado, os sem-terra teriam promovido desmatamento, extração ilegal de madeira com maquinário pesado, construção de barracos e loteamento informal das propriedades com intenção de revenda. As fazendas foram adquiridas pelo empresário João Carlos Di Gênio ainda na década de 1970.
O episódio reacende discussões sobre a escalada de violência em conflitos fundiários na Amazônia. Rondônia registrou, ao longo dos últimos anos, algumas das ações mais tensas envolvendo disputas por terra, pressionadas pelo avanço da pecuária, acusações de grilagem e ausência de políticas de assentamento para famílias em situação de vulnerabilidade. A ausência de perícia no local da morte dos invasores de terras, admitida pela própria PM, acentua as dúvidas sobre o que realmente ocorreu na mata onde o carro ficou atolado, e aumenta a pressão para que as autoridades esclareçam os fatos.
Órgãos como o Ministério do Desenvolvimento Agrário, a Ouvidoria Agrária Nacional, o Incra e o Ministério Público foram acionados pela CPT e ainda não se manifestaram sobre o caso. Enquanto isso, a região permanece sob forte presença policial e sob a tensão de uma comunidade que, entre desocupações e denúncias, tenta sobreviver ao conflito.
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