Trump quer taxar, mas os EUA conseguem viver sem a carne bovina brasileira?

Com salto de 0,5% para 26,6% em cinco anos nas importações americanas, carne bovina brasileira vira peça-chave no hambúrguer dos EUA, mas tarifa extra de 50% ameaça abrir espaço para Argentina, Austrália e Nova Zelândia.

Nos últimos cinco anos, a carne bovina brasileira deixou de ser coadjuvante e assumiu papel de destaque no mercado dos Estados Unidos. De janeiro a maio de 2025, o Brasil respondeu por 26,6% da carne bovina importada pelos norte-americanos, um salto expressivo em comparação aos 0,5% registrados em 2020, segundo relatório da Datagro Pecuária, com base em dados do Departamento de Agricultura dos EUA (USDA).

A principal demanda dos EUA está nos beef trimmings, sobras do desossamento que servem de base para a produção de ground beef — a famosa carne moída utilizada em hambúrgueres, pratos processados e refeições do dia a dia dos americanos.

A carne moída representa cerca de 50% do consumo per capita de carne bovina nos EUA, sendo produzida, em grande parte, a partir de fêmeas bovinas de menor qualidade — categoria que entrou em escassez após anos de abates intensivos e dificuldades estruturais enfrentadas pela pecuária americana.

Os Estados Unidos ainda sofrem os efeitos de altos custos de produção, perda de margem para os pecuaristas e problemas sucessórios, o que freou investimentos e reduziu o rebanho de forma preocupante.

A reviravolta veio com o anúncio do presidente Donald Trump, que anunciou uma tarifa adicional de 50% sobre a carne bovina do Brasil, elevando o total de impostos para até 76,4% em alguns casos. A medida pode inviabilizar economicamente as exportações brasileiras aos EUA.

Com cerca de 156 mil toneladas exportadas ao mercado americano no primeiro semestre de 2025, o Brasil movimentou US$ 791 milhões nesse período, o que representa 12,3% do total exportado. Caso haja recuo, o espaço pode ser disputado por Austrália, Nova Zelândia, Uruguai e Argentina.

Entre esses, a Argentina desponta como forte candidata a ampliar presença nos EUA, especialmente devido a negociações em curso para isenção tarifária sobre até 80% de seus produtos exportados (exceto aço e alumínio). Isso incluiria a carne bovina e a ampliação da cota atual de 20 mil toneladas com tarifa zero.

Para o Brasil, a saída dos EUA pode representar maior presença em mercados como China, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Mas isso não vem sem desafios. A China já responde por 46% da carne importada do Brasil, e o aumento da oferta pode gerar pressão sobre preços e margens, além de possíveis barreiras comerciais decorrentes de investigações em curso naquele país.

Enquanto Trump fecha as portas para o Brasil, a Austrália surpreendeu ao abrir seu mercado para a carne bovina norte-americana, após revisão das exigências de rastreabilidade. A decisão permite a entrada até mesmo de carne originada de gado nascido no Canadá ou México, desde que abatido nos EUA — o que não era aceito desde 2019.

Apesar disso, setores da pecuária australiana reagiram com cautela. O CEO da Cattle Australia, Will Evans, pediu revisão científica independente para garantir que os padrões de biossegurança e segurança alimentar sejam preservados.

A AMIC (Conselho da Indústria de Carne da Austrália) também destacou a importância de decisões técnicas baseadas em ciência e regras claras, ressaltando que a equivalência dos sistemas alimentares e sanitários deve ser recíproca entre países exportadores e importadores.

A disputa envolvendo o Brasil e os Estados Unidos vai muito além de uma tarifa. Ela representa uma mudança de peças no tabuleiro global da carne bovina.

Para os EUA, significa correr o risco de encarecer os produtos populares como hambúrgueres e carne moída. Para o Brasil, pode significar uma realocação estratégica das exportações, com desafios e oportunidades.

O cenário de tarifas, acordos bilaterais e rearranjos comerciais mostra que a carne é apenas a ponta do iceberg de uma disputa geopolítica mais ampla. O Brasil se consolidou como fornecedor estratégico dos EUA, especialmente em categorias de carne moída, mas vê sua posição ameaçada por políticas protecionistas.

Com a Argentina e outros players prontos para ocupar espaço, o setor pecuário brasileiro precisa reagir com inteligência comercial, mirando novos mercados, reforçando acordos multilaterais e ampliando a agregação de valor de seus produtos, em especial a carne bovina brasileira. Ao mesmo tempo, o consumidor americano pode acabar pagando a conta — literalmente — das decisões políticas da Casa Branca.

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