Do laboratório para o seu prato: Universidade Federal de Santa Catarina e Embrapa desenvolvem projeto da carne cultivada com suportes vegetais; A pesquisa quer criar uma carne cultivada com textura de bife. Você aprova?
A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) uniram forças para desbravar uma nova fronteira na produção de alimentos: a carne cultivada em laboratório. Um time de cientistas obteve um financiamento significativo de R$ 2,4 milhões da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), uma agência pública de apoio à inovação. A pesquisa quer criar uma carne cultivada com textura de bife. Você aprova?
O objetivo desse grupo é desenvolver carne cultivada a partir de células animais, mas com uma abordagem inovadora: eles almejam criar cortes estruturados, como bifes, em vez de simplesmente produzir carne para hambúrgueres. A pesquisa se concentrará na análise das estruturas que oferecem suporte às células, conhecidas como “scaffolds”, e em técnicas para reproduzi-las em um ambiente laboratorial controlado.
A singularidade desse projeto reside na tentativa de simular os processos biológicos naturais necessários para gerar cortes de carne, como a picanha bovina. O projeto pioneiro, liderado pela professora Silvani Verruck, do Departamento de Ciência e Tecnologia de Alimentos, destaca a importância da formatação por meio de processos de engenharia de tecidos. Ela explica que esse método é essencial para alcançar a complexidade estrutural desejada nos produtos finais.
A pesquisadora menciona que, considerando o que já foi explorado na área médica, estão considerando produtos de origem vegetal para desempenhar o papel de estruturação do alimento. Isso não apenas representa uma alternativa sustentável, mas também reduziria a dependência de ingredientes de origem animal na cadeia de produção.
“Para se produzir cortes de carne, como é o caso da picanha bovina, por exemplo, é preciso mimetizar os processos biológicos que ocorrem naturalmente, sendo, portanto, necessário a formatação através de processos da engenharia de tecidos usando scaffolds”, argumenta a pesquisadora, no texto do projeto aprovado pela Finep.
Silvani ressalta que o aumento da população global impõe desafios significativos, exigindo a exploração de novas formas de produção e distribuição de alimentos seguros e de alta qualidade.
A iniciativa responde a um desafio urgente: garantir a segurança alimentar de uma população mundial em constante crescimento.
“A aplicação da engenharia de tecidos no campo médico atingiu um estágio avançado; no entanto, a expansão para o cultivo celular destinado ao consumo humano, como fonte de alimento, representa uma área de pesquisa e desenvolvimento em ascensão”, analisa.
Silvani destaca a relevância do trabalho também como um impulsionador para a expansão desse campo de conhecimento. “Trata-se de uma área altamente complexa; há necessidade de extensa pesquisa para viabilizar a escalabilidade do processo”, enfatiza.
Para isso, a equipe vai explorar biomateriais de origem vegetal, buscando minimizar o uso de ingredientes animais e garantir a escalabilidade da produção. A bioimpressão 3D será uma das ferramentas utilizadas para criar estruturas tridimensionais para as células musculares.
Uma bioimpressora de alta resolução será adquirida com parte do financiamento, transformando o Laboratório de Carnes e Derivados da UFSC em um centro de pesquisa pioneira em carne cultivada no Brasil. A professora Silvani reconhece que a carne cultivada ainda é uma tecnologia disruptiva, o que exige um compromisso com a comunicação científica e a educação do público.
“É uma tecnologia disruptiva, e como tal, traz um certo desconforto ao público leigo. Por isso, o investimento em pesquisa e desenvolvimento poderá esclarecer as dúvidas relacionadas a este novo tipo de alimento. Já se produzem muitos ingredientes alimentares por meio da biotecnologia, por exemplo, enzimas usadas no processo de produção de queijos, algumas vitaminas, bebidas fermentadas, e a carne cultivada irá configurar mais uma opção”, diz Verruck.
Para Silvani, o pioneirismo da UFSC também terá implicações relevantes na área. “Entendo que, agora, parte do nosso papel como universidade é passar o conhecimento sobre o assunto adiante, que ele chegue em todos com informações baseadas em ciência. É uma área bem complexa, muita pesquisa precisa ser realizada para tornar o processo escalável”.
As controvérsias em torno da carne de laboratório
A produção de carne cultivada não está isenta de polêmicas e opositores. Em setembro de 2023, o deputado Tião Medeiros (PP-PR), que preside a Comissão de Agricultura da Câmara, apresentou o Projeto de Lei 4616/2023, buscando proibir não apenas a produção, mas também a reprodução, importação, exportação, transporte e comercialização da proteína de laboratório.
De acordo com a assessoria do deputado, a proposta tem como objetivo “proteger de forma rigorosa a pecuária nacional, um dos setores mais cruciais da economia, responsável por 2% do PIB brasileiro”.
Essa movimentação não é exclusiva do Brasil; outros países também estão reagindo. No Uruguai, um projeto semelhante ao do parlamentar brasileiro está em tramitação. Em dezembro de 2023, a Itália se tornou o primeiro país da União Europeia a proibir a comercialização do que denominou como “alimentos artificiais”.
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