Veja como lucrar mais com a recria na pecuária de corte

A ineficiência na fase pós-desmama é um dos maiores problemas da pecuária de corte brasileira; Veja como é possível encurtar a recria e melhorar a rentabilidade, com ajuda da suplementação.

Você já pensou em fazer RIP – Recria Intensiva a Pasto? Ainda não conhece essa técnica? Pois, fique de olho. Trata-se de uma estratégia nutricional cada vez mais usada nas fazendas brasileiras para encurtar o ciclo pecuário, aumentar a lotação por hectare e, consequentemente, a lucratividade do produtor. Sua proposta é simples: fornecer ração aos animais, desde a desmama até o início da engorda, na proporção de 0,5% a 1% de seu peso vivo, visando ganhos de 650 g a 1 kg/cab/dia, sob altas lotações (3 a 5 UA/ha).

A técnica tem impacto poderoso, porque elimina o principal gargalo da pecuária de corte brasileira, que é o longo período de recria a pasto, com duração de até 36 meses, marcados por perdas de peso na seca. A proposta dos pesquisadores da Apta-Colina, Flávio Dutra e Gustavo Rezende, pais do conceito “Boi 7-7-7”, é encurtar esse período para 12 meses, mas a RIP vai além, reduzindo a recria para 7-9 meses. “O resultado disso é mais dinheiro no bolso do produtor”, ressalta Matheus Moretti, gerente técnico de pecuária de corte da Agroceres Multimix.

Retorno garantido

Segundo Moretti, muita gente ainda desconhece a boa relação custo x benefício da RIP, mas ela pode garantir lucro 55% superior, em comparação com a suplementação com proteinado, devido ao maior ganho de peso individual e à maior lotação por hectare, conforme mostrou um experimento realizado pela Agroceres, em 2019, na Fazenda Jumari III, em Ipiaçu, MG. Os animais que receberam ração à base de milho moído, farelo de soja, ureia e núcleo mineral ganharam 530 g/cab/dia na seca e 763 g/cab/dia nas águas, ante 30 g e 628 g/cab/dia, respectivamente, do lote suplementado com proteinado. A RIP garantiu 27,2@/ha ao final de 8,9 meses, em contraste com 15,2@/ha da recria convencional, que durou 12,6 meses.  Fazendo-se a  “anualização” dos dados (projeção para um ano), tem-se 36,5@ e 14,5@/ha, respectivamente. Esse resultado da RIP compensou o custo um pouco maior por arroba produzida (R$ 85,4 ante R$ 77,9 do proteinado).

Além de garantir maior produtividade, a recria intensiva a pasto ainda permite deluir custos fixos e amortizar o ágio da reposição. “Como a margem de lucro do produtor atualmente está bem apertada, aumentar a produção de arrobas por hectare é questão de sobrevivência”, salienta Moretti, salientando que a RIP também possibilita fazer o chamado “boi-China”, cuja principal requisito é ter no máximo 30 meses de idade. Como a demanda chinesa não para de crescer e a oferta de animais jovens ainda é restrita no Brasil, os frigoríficos têm oferecido ao “boi-China” ágios de até R$ 10 sobre o valor da arroba comercial. “A melhor forma de se aproveitar essa oportunidade de mercado é encurtar a recria, já que há pouca margem para se diminuir o período de cria e engorda”, explica Moretti. Outro fator fora da porteira que estimula a adoção da RIP é o crescimento do mercado de carne premium no Brasil, que também demanda animais jovens e com bom acabamento de gordura subcutânea.

Normalmente, os pecuaristas que estão investindo na RIP já fazem terminação intensiva a pasto (TIP), sistema abordado no ciclo de reportagens que realizamos no ano passado. A associação das duas técnicas garante um ganho de peso contínuo e o encurtamento de todo o ciclo de produção. “A RIP deixa os lotes mais homogêneos, com menor índice de refugo. Além disso, eles chegam à terminação já adaptados ao cocho, o que favorece seu desempenho. Conseguimos atingir 2% do peso vivo em consumo já nos primeiros dias do confinamento a pasto”, salienta Guilherme Martini Bueno, técnico da Agroceres. Na fase inicial da engorda, diz ele, não se tem o chamado efeito compensatório, pois os órgãos dos animais, que normalmente aumentam de tamanho para suportar o maior aporte energético da ração, já estão “pré-ambientados” em função da recria intensiva.

Animais da Agropecuária Passo do Lobo recebendo ração na proporção de 0,5% a 0,8% do peso vivo para encurtar a recria.

Ferramenta estratégica

Em Nova Mutum, MT, a Agropecuária Passo do Lobo tem explorado, de maneira muito eficiente, esse “casamento” da RIP com a TIP. Proprietária de duas fazendas que somam 7.000 ha, a empresa destina 1.100 ha à agricultura e 2.000 à pecuária de ciclo completo. “Começamos fazendo TIP, mas logo vimos que era preciso intensifar a recria para girar o gado rápido e aumentar a lotação, o que nos permitiria, além de terminar á produção da fazenda, também comprar mais garrotes para engorda. Em 2019, conseguimos abater 2.200 machos, todos precoces e pesados. Os crioulos [40% desse total] foram para o frigorífico com 20-22@ aos 16-18 meses”, informa Vidal Gabriel Júnior, gestor da empresa.

A intensificação da recria foi possível graças ao fornecimento de ração no cocho aos animais na proporção de 0,8% a 1,2% do peso vivo, visando explorar seu máximo potencial genético para ganho de peso, já que a Agropecuária Passo do Lobo faz cruzamento industrial de Nelore com Angus. Os bezerros meio-sangue são desmamados entre os meses de abril e junho, com média de 236 kg (machos) e 216 kg (fêmeas). A maioria deles é recriada em pastagens temporárias de ruziziensis, formadas nas áreas de integração lavoura-pecuária após a colheita do milho-safrinha. Lá, são suplementados, inicialmente, com sal mineral; depois, quando o capim começa a perder qualidade, recebem um proteinado de alto consumo (3 a 5 g/kg de PV) e, finalmente, ração à base de milho moído, farelo de algodão, DDG e núcleo mineral contendo um modulador de consumo, já que o produto é oferecido à vontade.

A ração é vista pela Agropecuária Passo do Lobo como uma ferramenta estratégica. Pode ser usada tanto para terminação de garrotes Nelore de cabeceira (bezerros do cedo), nos módulos de pastagens perenes rotacionadas e adubadas, quanto para “adiantar” animais novos comprados no mercado, para evitar que se tornem gado de fundo. “Para nós, a RIP tem sido muito vantajosa, porque garante ganho contínuo de peso, na faixa de 800 g a 1,2 kg/cab/dia, evitando perdas no momento mais crítico do ano, que é a transição da seca para as águas, quando as áreas de ILP precisam ser liberadas para plantio da nova safra e as pastagens perenes ainda não se recuperaram totalmente da seca”, explica Vidal.

Segundo ele, essa estratégia de suplementação reduziu a recria em cinco meses. “Agora, na mesma pastagem que fazíamos um lote, fazemos dois e isso nos permite engordar boi de janeiro a janeiro”, conta Vidal. A lotação média, nas áreas de recria, oscila de 2,8 a 3 UA/ha. Nas águas chega a 6 UA/ha. Outra vantagem da RIP apontada por Vidal é operacional. “Tratamos os animais apenas duas vezes por semana e isso facilita muito nossa rotina”, assegura o gestor da Agropecuária Passo do Lobo.

“RIP nos permite engordar boi de janeiro a janeiro” Vidal Gabriel Júnior, gestor da Agropecuária Passo do Lobo.

Alertas importantes

Para obter bons resultados com a RIP, contudo, é preciso planejar bem as operações, principalmente a compra dos ingredientes da ração. “Temos, no Brasil, certa sazonalidade na oferta de insumos como o milho e alguns subprodutos, que ficam mais baratos na safrinha, por exemplo. O produtor precisa aproveitar essas ‘janelas de oportunidade’ para reduzir custos”, explica Moretti. Também é fundamental estabelecer metas compatíveis com os objetivos da fazenda, tanto no que diz respeito ao ganho de peso individual quanto à produção de arrobas por hectare. “Sem isso, fica difícil trabalhar”, reforça Moretti. O cumprimento dessas metas deve ser monitorado diariamente, por meio da coleta de dados sobre consumo, ganho de peso, oferta de forragem etc, tanto na seca quanto nas águas. “Não há dificuldade nisso. Fichas de anotação já resolvem. O fundamental é ter metas e verificar seu cumprimento”, diz Moretti.

Outro detalhe importante: os resultados financeiros da RIP devem ser analisados com base no indicador correto. Muitas vezes o produtor se fixa apenas no custo por animal suplementado, que sobe, em função do uso de ração, e se esquece de que a lotação também aumenta, possibilitando maior lucro por hectare. “Para avaliar corretamente a RIP, o produtor precisa tirar a lupa do animal e colocar no hectare”, frisa o gestor, lembrando que é possível introduzir o sistema na fazenda aos poucos, enquanto se adequa a infraestrutura (construção de cochos, que devem ser cobertos, caso se deseje fornecer ração nas águas). Segundo Moretti, cobrir cocho não é caro. Como já apresentamos na segunda reportagem sobre a TIP, chega-se facilmente a essa conclusão fazendo contas simples. Uma cobertura feita de madeira, ferro e chapa galvanizada, custa em torno de R$ 450 a R$ 500/m, mas esse valor é diluído pela maior produção na recria intensiva, que é de 30-40@/ha. “O investimento vale a pena”, frisa o técnico.

Na próxima reportagem desta série, que será publicada em agosto, falaremos sobre a recria intensiva a pasto (RIP) de fêmeas, visando a antecipação do primeiro parto.

Sucesso “porteira a dentro”

A RIP (recria intensiva a pasto) tem sido usada por um número cada vez maior de pecuaristas, devido a seus excelentes resultados. Um levantamento realizado em 10 fazendas, por Guilherme Martini Bueno, consultor técnico da Agroceres em Mato Grosso, constatou ganhos de 650 g a 1,3 kg/cab/dia na RIP, mesmo sob lotações altas (4 a 7 UA/ha nas águas). Bueno informa que, nessas propriedades, os animais desmamados foram colocados em pastos de melhor qualidade, com direito à suplementação mais pesada, para aumentar a taxa de lotação. Os animais receberam ração contendo 20%-23% de proteína bruta, de forma a respeitar sua curva de crescimento e evitar deposição antecipada de gordura.

“RIP deixa lotes mais homogêneos” Guilherme Martini Bueno, consultor técnico da Agroceres no Mato Grosso.

As fazendas usavam (e ainda usam) cochos de “boca larga”, para receber maior quantidade de alimento, já que o trato é feito de duas a três vezes por semana. O espaçamento adotado era de 25-30 cm lineares/cab. As rações eram compostas principalmente por milho moído e coprodutos como torta ou caroço de algodão (empregados na proporção de 23%-25%), DDG (25%), além de casca de soja (15%-18%). Havia também quem comprasse rações prontas ou apenas ingredientes proteicos, estes misturados com fontes energéticas na fazenda. Tudo dependia das oportunidades de mercado e da estrutura operacional da propriedade.

A maioria dos pecuaristas do levantamento feito por Bueno já fazia terminação intensiva a pasto antes de aderir à RIP. Muitos recorreram à técnica porque os animais estavam chegando muito leves à fase de engorda, exigindo longo período de terminação, o que aumentava os custos. Como já tinham fábrica de ração, cochos maiores cobertos e logística de distribuição do suplemento por causa da TIP, bastou fazer alguns ajustes e investimentos complementares para tratar os animais na recria. “O único fator limitante foi uma eventual carência de mão de obra para abastecimento diário dos cochos, mas contornamos esse problema incorporando um modulador de consumo à ração, que regula a ingestão de alimento e possibilita fazer tratos a cada dois ou três dias”, explica Bueno.

foto pertencente ao artigo sobre recria intensiva a pasto
Médias observadas nas fazendas
Lotação:4-6 cab/ha (águas)
Nível de suplementação:0,5-1% PV
Ganho médio de peso:650 g a 1,3 kg/cab/dia
Espaçamento de cocho:25-30 cm lineares/cab
Teor de proteína da ração:20% as 23% PB

Autora: Maristela Franco, editora chefe da Revista DBO.

Fonte: Agroceres Multimix e Portal DBO

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