Mais produtividade em menos tempo com mais qualidade de carne: essa é a promessa do conceito desenvolvido por pesquisadores da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA), o boi 777
A fórmula para “construir” o boi consiste em engordar 7@ na desmama, 7@ na recria, 7@ na engorda e abater com 21@ até os 24 meses, aumentando em até 30% o lucro do produtor. Mais produtividade na pecuária já deixou de ser um diferencial e passou a ser palavra de ordem para quem atua no setor. Pensando nisso, o Polo Regional da Alta Mogiana, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) e da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA) de São Paulo desenvolveu um conceito que permite produzir mais e melhor em menos tempo.
Atualmente, o sistema tradicional de produção pecuária demora três anos para abater um boi com 18 arrobas (@). Com a tecnologia, é possível fazer um giro e meio nesse período. A promessa do conceito é mudar essa matemática demorada e mandar o boi para o frigorífico aos dois anos, no máximo, e pesando ao menos 21@. É quase uma arroba por mês.
Para quem está acostumado com as contas antigas, essa proposta parece mágica, e nisso a pecuária não acredita. Por isso, o modelo já é estudado há dez anos e ainda é considerado uma tecnologia nova, pouco expandida. Mas quem colocou em prática garante: os lucros são reais. Produtores de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Goiás, Minas Gerais, Paraná e Rondônia já começaram a colocar em prática o modelo.
O chamado “Boi 777” tem como resultado um animal inteiro (não castrado) com sete arrobas na desmama, sete na recria e outras sete na engorda, totalizando 21 arrobas no momento do abate. Além da produção precoce, que proporciona melhor qualidade de carne, a tecnologia pode aumentar em até 30% os lucros dos pecuaristas.
O estudo foi conduzido no Polo Regional da Alta Mogiana da APTA, localizado em Colina, interior paulista. É lá que Flávio Dutra de Resende, doutor em Zootecnia e um dos proponentes do conceito, trabalha por uma pecuária mais produtiva. Ele explica que a produção de bovinos com qualidade e tempo 30% menor requer planejamento e estratégias. “O objetivo é construir o boi ideal, o Boi 777. São sete arrobas em cada uma das fases, e isso exige planejamento. É necessário começar e terminar o ciclo com o mesmo cuidado. Sabendo que eu preciso das sete arrobas da desmama, mas também preciso dar condições para o animal ganhar o mesmo nas outras etapas. É um trabalho de modelagem do boi que queremos abater”, explica.
Uma das principais exigências do modelo é a nutrição e bem-estar animal. “É necessário que sejam utilizadas diversas ferramentas para atingir esse resultado. O trabalho envolve, principalmente, manejo de pasto e suplementação alimentar. Toda dieta do rebanho deve ser pensada para potencializar o seu ganho de peso: pasto saudável o ano inteiro e suplementação correta são os principais ingredientes da fórmula”, explica Gustavo Rezende Siqueira, pesquisador que também conduziu o trabalho na APTA.
A dosagem da suplementação varia de acordo com o peso do animal: quanto maior, mais comida necessária. “O importante é o produtor se atentar à demanda dele. Às vezes é interessante produzir um bezerro mais pesado, que vai ganhar menos na frente. Depende do mercado para qual ele está vendendo essa carcaça. O importante é entender que a alimentação é fundamental. Esse conceito estabelece, justamente, metas de ganho de peso para cada sistema e, a partir disso, entende qual o grau de intensificação necessária no manejo alimentar”, complementa Gustavo.
“Essa intensificação na suplementação ajuda no ganho de peso e não causa nenhum prejuízo para a saúde do animal. Pelo contrário, ela proporciona melhor bem-estar a ele e ainda agiliza o processo de acabamento. Tempo é dinheiro. A redução na permanência do animal no pasto aumenta em até 30% os lucros dos produtores”, acrescenta Flávio. Apesar do custo de produção ser maior, o pecuarista consegue produzir mais em uma mesma área e ter produtos com qualidade superior para comercialização.
Na prática
Alaor Ávila Filho, pecuarista de Indiana (GO), é um dos usuários da tecnologia. Proprietário da Fazenda Panorâmica do Turvo, ele começou a adotar o sistema em 2014, e aprova os resultados. Antes desse novo método, conseguia engordar até seis arrobas por cabeça, por ano. Agora, são onze arrobas anuais. A lotação passou de 1,5 unidade de animais por hectare (ha) para 2,4 UA/ha, de 450 kg cada. A produção média era 15 @ por ha, por ano. No histórico da sua propriedade, a melhor produção, até então, era de 20 arrobas por hectare. Com a pesquisa paulista, o pecuarista goiano consegue produzir, atualmente, 31 arrobas por hectare, por ano.
“Foram três mudanças substanciais ao adotar a tecnologia da APTA. O investimento inicial foi três vezes maior, mas, como a produtividade foi muito mais alta, o custo da arroba produzida caiu pela metade. Com isso, a rentabilidade da operação aumentou substancialmente”, afirma. Para ter uma ideia, na safra 2012/2013, a propriedade obteve lucro líquido de R$ 900 por hectare. Com a adoção do sistema boi 7.7.7, esse valor saltou para mais de R$ 2 mil por hectare de lucro líquido, ou seja, descontados todos os custos de produção.
Nesta safra, ele começou a comprar animais de sete arrobas, engordando mais sete e levando para um confinamento terceirizado, onde é feita a engorda das sete arrobas finais para abate. Com essa mudança no sistema de criação, a produção saltou de 1380 animais/ano para 2,5 mil. “Esse sistema requer organização e estratégia. Recomendo ao produtor ter um consultor para auxiliar, além de planejamento, estratégias e informações sobre custos, metas. Se o produtor for bem organizado, esse sistema da APTA é imbatível”, pondera Alaor.
Toda a produção da Fazenda Panorâmica do Turvo é certificada e exportada. O rebanho é composto por animais muito precoces, com abate até, no máximo, aos 26 meses. A qualidade da alimentação e a idade garantem uma carne bovina de excelência aos consumidores. E esse é um dos pontos fortes do conceito: carne de qualidade, capaz de atender mercados exigentes e consumidores cada dia mais atentos.
Diede Loureiro, Gerente de Contas-Chaves Fazendas da Phibro, explica que o objetivo é produzir carne com a qualidade que o mercado exige. “Atingindo os índices 7.7.7, é possível obter melhor padronização de produção dos animais e consequentemente uma carne com mais qualidade, já que se trata de um animal jovem e com uma carcaça bem acabada”, afirma.
Quando o sistema for implantado em larga escala, os consumidores terão à disposição carne com melhor qualidade, com sabor, maciez e coloração atrativa. “O consumidor escolhe o produto na gôndola do mercado pela cor. Quanto mais velha a carne, mais escura, o que gera desinteresse pelo produto. A carne mais nova é melhor em tudo, em comparação com a velha”, afirma o pesquisador da APTA, Flávio.
Genética usada no Boi 777
Além de planejamento e nutrição adequada, a genética é um dos pontos fundamentais do boi 7.7.7. Não por coincidência, uma das etapas do Circuito ExpoCorte aconteceu no Triângulo Mineiro, em Uberaba, solo do gado zebuíno selecionado. A terceira de cinco etapas foi promovida durante a Exposição Internacional do Nelore (Expoinel), em setembro. Em dois dias de evento, cerca de 600 pessoas passaram pelo Centro de Eventos Rômulo Kardec Camargos, dentro do Parque Fernando Costa, para acompanhar palestras e debates sobre como produzir o boi 7.7.7.
“É da elite, característica da Expoinel, que sai a genética dos animais que vão gerar o boi 7.7.7 que queremos. Essa genética é o celeiro da produção de animais precoces e produtivos, fundamentais para o atual momento que demanda aumento da produção e de lucratividade por hectare. O que pregamos é um conceito fácil, porém é preciso seguir uma série de etapas para conseguir o objetivo esperado, e tudo começa na genética”, destaca Diede.
O gerente de produto corte da central CRI Genética, Daniel de Carvalho, foi um dos palestrantes do evento. Ele falou sobre a importância do potencial genético do animal para se chegar nas 21 arrobas, em diferentes composições raciais ou com a mesma composição com indivíduos diferentes.
“Genética, nutrição e manejo tem que andar juntos. Entretanto, para se fazer um boi de 21 arrobas com sete em cada fase do ciclo, a genética é essencial. A tomada de decisão na hora de escolher a genética pode implicar a se chegar nas 21 arrobas, inclusive de maneira mais rápida ou mais lenta. O melhoramento genético contribui na evolução da pecuária de corte com a redução do ciclo de produção, aumento do valor agregado por meio do bezerro ou do produto final, e maximização dos lucros”, afirma Daniel.
Passo a passo do boi 777
A Chácara Naviraí é a marca da família Sabino, que há 50 anos seleciona Nelore com resultados em genética e gado comercial. São mais de 1,7 mil fêmeas em reprodução, mais de dois milhões de doses comercializadas e 30 mil registros acumulados na Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ).
Administrada por Cláudio Sabino Filho e seu genro, o veterinário Alan Ventura Pfeffer, a empresa possui duas unidades, sendo 500 ha em Uberaba e dois mil em Naviraí, interior do Mato Grosso do Sul. Na segunda, o principal foco é a primeira etapa do boi 7.7.7: a cria.
Os primeiros oito meses de idade são cruciais na aplicação do conceito
As sete primeiras arrobas são essenciais para suportar as outras 14 que ainda estão por vir. Por isso, a produção da Chácara Naviraí foca no bezerro gordo. Alan conta que a média de desmame por lá é de 249 kg, quase 50 quilos a mais da exigência mínima para essa fase. O fato genético é sempre levado em conta, e os acasalamentos são dirigidos considerando o índice de Diferença Esperada na Progênie (DEPs) para peso, perímetro escrotal e habilidade materna.
“Nós produzimos um bezerro pesado para facilitar a fase seguinte, da recria, que geralmente acontece na seca. Além disso, o potencial de crescimento do animal é maior durante essa fase de crescimento até os sete ou oito meses, o que facilita ainda mais a engorda”, afirma Alan. O sistema de produção da Naviraí integra pecuária e lavoura, preconizando pastos saudáveis e ainda contando com a suplementação por creep feeding.
A segunda etapa é a recria
“Da cria em diante, para atingir a meta do boi 7.7.7, o produtor terá mais 16 meses para aumentar mais 7 arrobas entre a fase em que o animal passa de bezerro para boi magro e mais 7 arrobas no estágio em que esse animal entra no processo de engorda até completar 24 meses de idade. Isso significa dizer que ele precisa ter um ganho diário de peso de 750 gramas para atingir essas 21 arrobas”, detalha o gerente da Phibro, Diede.
No campo, pós-desmame, os bovinos precisam de suplementação estratégica e pastagens bem manejadas para conseguir as outras sete arrobas de peso vivo. “O pecuarista tem de obter nessa fase o melhor ganho produtivo possível. Para isso, precisa tomar medidas eficazes, como o uso de insumos nutricionais que intensifiquem o ganho de peso dos animais”, acrescenta.
“As sete arrobas depois da desmama são essenciais. Porque é a recria que o boi ganha estrutura óssea e muscular para crescer e suportar bem as outras sete arrobas da engorda. Eu preciso dar as condições apropriadas para ele crescer e engordar sem depositar muita gordura na carne, e isso eu consigo com manejo nutricional adequado”, explica Flávio, pesquisador da APTA.
A última fase fecha o ciclo: a engorda
É daqui que o boi precisa sair com 21@. O período de engorda dos bovinos é mais curto (quatro meses), por isso precisa de atenção especial. A recomendação é terminar o gado com dieta rica em grãos.
“Essa fase é muito importante para a correta terminação do gado com o necessário teor de gordura e rendimento de carcaça. Mais uma vez, é preciso lançar mão de manejo nutricional de alta qualidade para atingir ganhos de até 1.250 g/dia. O Boi 7.7.7 é absolutamente viável, porém o pecuarista precisa de ferramentas que o auxiliem durante o processo produtivo”, ressalta o gerente da Phibro.
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Diede salienta, ainda, que há muitos produtores no país que estão conseguindo atingir esse novo conceito do boi 7.7.7, que passa por uma nova forma de fazer a pecuária.
“O conceito 7.7.7 faz com que a produção de arrobas por hectare aumente sensivelmente e os resultados de lucratividade da propriedade avancem muito. Para continuarmos a evoluir na pecuária de corte e ter alta rentabilidade, precisamos nos encaixar no parâmetro 7.7.7 nas três fases de produção, logicamente com a preparação e os cuidados inerentes ao processo. Esse conceito necessita de eficiência em todos os processos de modo a se alcançar uma produtividade que atenda tanto aos anseios do pecuarista quanto dos frigoríficos, trazendo um melhor resultado financeiro para toda a cadeia”, finaliza.
Publicado originalmente em 02 de março de 2018.
Por Natália Escobar