A intoxicação por uréia ou por amônia é um processo agudo de intoxicação como resultado do catabolismo de aminoácidos, ácidos nucléicos e de amônia endógena ou exógena da dieta.
Nos ruminantes, o catabolismo das proteínas é regulado pelos microorganismos ruminais, os quais têm a capacidade de transformar o nitrogênio da dieta em proteína de boa qualidade, a denominada proteína microbial.
A proteína entra no organismo proveniente das dietas em forma de proteína verdadeira e nitrogênio não protéico (NNP), sendo que 40% da proteína total vai passar através do rúmen sem transformação alguma, escapando da digestão microbial, se perdendo sem modificações nas fezes.
Como utilizá-la
Os 60% restantes da proteína total e o NNP vão ser transformadas no rúmen por ação da urease, para ser desdobradas em amônia e dióxido de carbono, sendo a amônia utilizada como fonte de nitrogênio para síntese de proteínas pelos microorganismos ruminais (protozoários Peptostreptocci e Prevotella) até peptídeos e aminoácidos, que fazem parte da chamada proteína microbiana, para ser digerida e absorvida pelo intestino.
Quando existe uma degradação das proteínas maior que a síntese de amônia, esta é absorvida pela parede do rúmen e chega ao fígado pela veia porta. No fígado, essa amônia é convertida em uréia, por meio de um processo enzimático conhecido como ciclo da uréia.
Vídeo mostra vacas intoxicadas
Parte dessa uréia volta ao rúmen, outra parte é reciclada na saliva ou excretada pela urina. É por isto que os excessos de proteína nos ruminantes vão à urina e/ou ao leite em forma de uréia.
A necessidade da utilização de grandes unidades produtivas em pequenas áreas, a diminuição de teor protéico de algumas pastagens, ou que geralmente ocorre no período invernal, levaram à especialização e geração de suplementos protéicos e fertilizantes nitrogenados, que completam os requerimentos nutricionais.
O consumo destes suplementos protéicos como a uréia por animais não adaptados ou em grandes quantidades, leva a problemas de infertilidade em vacas e principalmente ao quadro agudo de intoxicação, que se caracteriza por incoordenação motora, tremores musculares, colapso e morte. Na realidade, a intoxicação nos ruminantes não é pela uréia alimentar, mas sim pela amônia gerada do primeiro composto por meio da fermentação ruminal.
Causas e origem do problema
A suplementação de ruminantes é o fator mais importante para apresentação deste quadro. Por isto é uma das doenças mais comuns das vacas leiteiras e animais em confinamento suplementados.
A carência de proteína nas pastagens leva à utilização de suplementos protéicos, tais como farelos de soja ou algodão, uma vez que parte do nitrogênio requerido pelos ruminantes deve ser proveniente de uma fonte orgânica.
A uréia pode suprir os requerimentos protéicos nos ruminantes. Mais de 90% da produção endógena de uréia poderá ser reciclada no rúmen, para poder intentar novamente ser convertida em proteína microbiana.
Seu uso igualmente vai depender da capacidade dos microorganismos do rúmen para utilizá-la na síntese de seus próprios tecidos celulares e produzir proteína microbiana, que supra os requerimentos de nitrogênio em nível tissular. Por isto, é utilizada a uréia como suplementação de fonte de nitrogênio não protéico (NNP), sendo a forma mais barata e eficiente.
A uréia pode ser fornecida em diferentes sistemas de alimentação: associada ao sal mineral, misturas múltiplas, cana-de-açúcar, capim picado, silagem, concentrados e outros.
Estudos têm demonstrado que outras formas, como o amônia acetato, amônia succinato acetamida e diamônia fosfato são melhores substratos para a síntese de proteína microbiana que a uréia, tendo desvantagens a parte econômica, de palatabilidade e principalmente de toxicidade.
A uréia também é fornecida aos animais por meio da fertilização de pastagens que apresentam baixas taxas de crescimento e baixos níveis de proteína, com compostos a base de uréia, já que a fertilização nitrogenada é a forma mais comum de incrementar biomassa e níveis de proteína crua (21% de PC), além de permitir o consumo de pastagem em novilhas, e maior digestibilidade da forragem.
A toxidez da uréia é mais freqüente quando esta é fornecida em grandes quantidades, na falta de adaptação dos animais ou devido à inadequada homogeneidade da mistura. Outros fatores que podem contribuir para a intoxicação são a deficiência de carboidratos digestíveis na ração, a baixa qualidade da forragem consumida ou a debilidade orgânica do animal por fraqueza ou jejum.
Evolução do problema
A quantidade de uréia necessária para provocar o quadro de intoxicação depende de diversos fatores, principalmente velocidade de ingestão, a quantidade e a capacidade de reciclagem diante de fatores dietéticos, tais como a porcentagem de nitrogênio ingerido, a degradabilidade de nitrogênio no rúmen, o tipo de forragem, a porcentagem de grãos e a fermentabilidade de carboidratos no rúmen, pH do rúmen e grau de adaptação do animal.
Quanto maior o pH, maior é a concentração de amônia (NH3). A amônia por ser lipossolúvel vai ser mais facilmente absorvida pela parede ruminal.
Condições tais como jejum, dietas ricas em fibra e baixo teor de carboidratos ou mesmo grandes quantidades de consumo de uréia, que são fatores predisponentes deste quadro, vão estar compostas em sua maioria por aminoácidos dicarboxilicos.
Estes tipos de aminoácidos vão afetar o estado ácido-básico ao serem oxidados, causando alcalose metabólica, e por tanto um aumento na absorção, gerando hiperamonemia no animal.
Não se tem um limite exato de níveis de segurança na administração de uréia na dieta, mas níveis acima de 0,50 g de uréia/kg PV, ingeridos num curto espaço de tempo, provocam intoxicação em animais não adaptados. Nas ovelhas, rações de 8,5 g por dia podem ser letais em animais não adaptados, assim como podem existir animais com consumos de 100 g por dia sem sintoma nenhum.
Comumente se vê a manifestação de sintomas quando a amônia no sangue periférico excede 10 mg/L e será letal em níveis de 30 mg/L, o que está associado a níveis de concentração de amônia de 800 mg/kg de alimento. A maioria dos autores acredita que o mecanismo de intoxicação aguda em ruminantes seja decorrente do excesso de amônia absorvido que excede a capacidade detoxificante do fígado e tamponante do sangue.
O fígado cumpre uma função importante dentro do metabolismo das proteínas, e sua taxa de uso de energia se incrementa com o aumento na produção de leite e com dietas com porcentagens altas níveis de nitrogênio. O fígado faz a modificação de nutrientes disponíveis para formar os que não estão disponíveis para a síntese de leite e para a detoxificação da amônia absorvida no trato digestivo.
O rim também é um órgão importante na depuração de amônia do organismo, pois tem a capacidade de filtrar a amônia e trocar no túbulo contorcido distal com íon de H, eliminando-o na urina, em maior ou menor quantidade conforme o estado ácido-básico do animal.
As grandes quantidades de amônia vão a ser absorvidas representando 30 a 80% do nitrogênio absorvido. A taxa de síntese de uréia a partir desse nitrogênio vai depender da disponibilidade de substrato e da afinidade das enzimas e coenzimas, que determina os níveis de amônia circulante.
No ciclo da uréia, a amônia pode unir-se ao bicarbonato para produzir carbamil fosfato. Esta reação, contudo, é de baixa afinidade em comparação com a glutamato desidrogenase, favorecendo a formação de glutamato. Portanto, a via do glutamato nos ruminantes é uma rota importante, já que os excessos de amônia podem ser retidos como glutamato ou glutamina quando a capacidade de formação de carbamil fosfato é excedida.
O glutamato pode transportar amônia até o fígado via porta, diretamente do rúmen, por ação da glutamato desidrogenase. O glutamato se forma pela transaminação da alanina pela alanina aminotransferase e do aspartato pela aspartato aminotransferase.
A glutamina é produzida a partir do glutamato pela glutamina sintetase, sendo a que transporta amônia em vários tecidos, principalmente periféricos, até o rim, para realizar a reação reversa, gerando glutamato e liberando íon amônia, o qual será excretado na urina. Esta é uma forma de excreção de íons amônia sem a intervenção do ciclo da uréia. Por esta razão, a glutamina é a mais importante reguladora do estado ácido-básico. Nos hepatócitos em caso de acidose, vai diminuir a formação da uréia e ocorre incremento da glutamina, como compensação ao decréscimo do pH.
Por outro lado, a via do glutamato em casos de sobrecarga de amônia vai diminuir a disponibilidade de precursores para gliconeogênese, devido a que sua formação depende do gasto de α-cetoglutarato, sendo a amônia tóxica para o sistema nervoso.
O cérebro vai depender da degradação da glicose e energia produzida através do ciclo de Krebs para a formação de oxalacetato, diminuída por causa do aumento de glutamina e falta de produção de ATP. A glutamina e o aspartato, produto da transaminação no fígado, possuem funções neurotrasmissoras, aumentando o quadro nervoso em casos de intoxicação.
Outros autores demonstram que apresentação de sinais nervosos, podem se manifestar em forma de tremores devido à desestabilização da passagem do estimulo nervoso com a diminuição de acetil-CoA nos neurônios, gerando tetania muscular.
Apresenta-se debilidade em alguns casos do trem posterior, na presença de jejum prolongado pela necessidade de requerimentos de glicose, que produz o catabolismo de aminoácidos como alanina e glutamato. Ambos os aminoácidos são liberados em grandes quantidades da musculatura do trem posterior.
Toda esta intervenção da amônia no metabolismo da glicose, faz com que ocorra uma marcada hiperglicemia, devido a uma maior liberação de glucagon, e de adrenalina que ativam a glicogenólise hepática. Em ovinos a glicemia aumenta cinco vezes mais do que o normal na intoxicação por amônia.
O aumento do pH do quadro a nível ruminal, vai gerar a alcalinização deste meio ruminal, e permitir o aumento da absorção de amônia e CO2 através da parede do rúmen, assim como a acumulação de gás carbônico nas mucosas causando uma intoxicação sistêmica.
Os altos níveis de amônia podem também levar a uma acidose metabólica, devido à diminuição de glicose, bloqueio do ciclo de Krebs e aumento da glicólise anaeróbica, e portanto aumento do acido láctico na corrente sanguínea. Isto diminuirá os níveis de bicarbonato e portanto leva a uma acidose metabólica, que quando é muito acentuada, gera hipercalemia, arritmia cardíaca, paro cardíaco e morte com espasmos tetânicos.
No decorrer do quadro, ocorre uma desidratação devido à passagem de fluído aos pulmões, gerando um edema pulmonar. A hiperamonemia e o eructo permitem o ingresso da amônia ou gás amônia nestes tecidos, sendo a amônia um fator irritante nos tecidos pulmonares, aumentando o edema.
Sintomas clínicos
Na maior parte dos casos, os sintomas se iniciam 20 a 30 minutos após a ingestão da uréia, podendo em alguns animais, este período se prolongar em até uma hora.
Os sintomas nervosos vão ser os mais notórios entre os quais os mais comuns são os tremores musculares e da pele, contração das orelhas, tetania, enrijecimento dos membros anteriores, ataxia, sudoração excessiva, prostração, espasmos violentos e convulsões. São animais que igualmente podem apresentar apatia, micção e defecação freqüentes. Pode ocorrer timpanismo e dores abdominais em alguns casos, abomasite leve e ranger de dentes. Observa-se irritação excessiva do rúmen, salivação excessiva, cheiro de amônia.
No nível respiratório, o animal está com respiração acelerada, asfixia, congestão e edema pulmonar e colapso circulatório. Também ocorre congestão e degeneração do rim e do fígado, hemorragias endo e epicárdicas, taquicardia (100-160 bat/min), parada cardíaca e morte.
Diagnósticos diferenciais
Intoxicação por nitritos e nitratos, cianídricos, organofosforados, carbamatos, sobrecarga de soja, 4-metilimidazole, gases tóxicos (monóxido e dióxido de carbono), doenças infecciosas agudas, encefalopatia hepática, leucoencefalomalácia, polioencefalomalácia, enterotoxemia, timpanismo ruminal, adenomatose pulmonar, hipocalcemia e hipomagnesemia.
Diagnóstico
Deve basear-se nos sintomas acima descritos e no histórico de alimentação recente com uréia. A medição de amônia pode ser feita no sangue. Animais com amônia sangüínea ≥ 2 mg/dL indica consumo de uréia na dieta, e níveis maiores de 30 mg/dL são letais. A dosagem somente se aplica para animais vivos, devido que as proteínas se degradam facilmente nos animais mortos, produzindo amônia e dando um falso positivo.
No rúmen níveis de amônia >200 mg/dL são letais. A amônia é excretada em pequenas quantidades na urina, onde seus níveis são de 50-800 µM. Um pH ruminal maior de 7,5 acompanha comumente o quadro.
Na necropsia se observa timpanismo, congestão da carcaça, excesso de fluído pericárdico, edema pulmonar, espuma nas vias aéreas superiores e hemorragias no coração.
Tratamento
Pode-se utilizar uma sonda oroesofágica, para aliviar a compressão de gases por causa do timpanismo, tomando os devidos cuidados para evitar uma possível falsa via. A água gelada em grandes quantidades (20-40 L/animal) pode ser usada para reduzir a temperatura ruminal e diminuir a atividade da urease. O uso de ácidos fracos (vinagre ou ácido acético 5%, 3 a 6 L por 6 animal adulto, a cada 6 ou 8 horas) além de baixar o pH, diminui a hidrólise da uréia e formam compostos com a amônia (acetato de amônia), reduzindo assim sua absorção.
Alguns outros estudos demonstraram que o esvaziamento do rúmen, através de abertura cirúrgica na fossa paralombar, com aplicação de líquido ruminal de vacas sadias, mostrou-se melhor ao ácido acético para o tratamento de casos experimentais de intoxicação por uréia.
Outros medicamentos poderão ser usados para alívio dos sintomas, tais como soluções de cálcio e magnésio, soluções de glicose a 20% combinadas com acido acético a 1% e laxativos. Para diminuir a pressão sangüínea se aconselha a utilização de bloqueadores α-adrenérgicos. Para diminuir os sintomas de edema pulmonar, assim como aumentar a produção de urina a fim de ajudar a eliminação de uréia, é aconselhada a utilização de solução salina com diuréticos, como é o caso da furosemida, com excelentes resultados.
Prevenção
A adoção de um correto esquema de adaptação gradual do animal a dietas com uréia inclui evitar o consumo exagerado, assim como fazer uma correta homogeneização da mistura. Deve-se ter igualmente controle sobre a aplicação de fertilizantes a base de uréia, para evitar níveis de intoxicação. Recomenda-se um período de adaptação de duas a quatro semanas, em função do nível e forma de fornecimento da uréia. A adaptação deverá ser gradativa de 0,1g/kg de peso vivo.
O total de uréia não deve exceder a 3% do concentrado ou 1% da matéria seca da ração. Animais que ficam mais de três dias sem receber uréia, devem passar por um novo período de adaptação, visto que a tolerância é perdida rapidamente pelo fígado (biossíntese de uréia a níveis desejados).
- Tratores que viraram dinheiro de verdade, conheça as notas
- O que esperar do mercado de máquinas agrícolas para os próximos anos?
- Defensivos agrícolas poderão ter a alíquota do novo IVA reduzida em 60%
- Comercialização da safra 2024/25 de café do Brasil acelera com preços mais altos
- Ministério confirma lançamento de plano para rastreabilidade de bovinos no dia 17
Podem se utilizar fontes de uréia diferentes como o biureto, que contém 408 g de nitrogênio/kg, sendo seu processo de adaptação mais rápido quando é inoculado dentro do liquido ruminal. Não é tão eficiente quanto a uréia e é um pouco mais cara, mas tem níveis muito maiores de tolerância, sendo menos tóxica.
Animais em jejum, fracos ou com dietas pobres em proteína e energia são mais susceptíveis. A uréia não apresenta efeitos residuais no organismo.
Autora Paula Villamil Rodríguez