Polioencefalomalácia: Doença causa prejuízos em confinamentos

Doença caracterizada por necrose com amolecimento da substância cinzenta do encéfalo, causando incoordenação motora e a morte do animal

Por Josilaine Lima* – A polioencefalomalácia é uma doença caracterizada por necrose com amolecimento da substância cinzenta do encéfalo, causando incoordenação motora e a morte do animal, quando não atendido em tempo hábil. Durante muito tempo acreditou-se que a deficiência de tiamina (vitamina B1) era a única causa da doença, uma vez que boa parte dos animais apresentam melhoras quando tratados com essa vitamina.

No entanto, hoje é sabido que a doença também possui outras etiologias, entre elas a intoxicação por enxofre ou chumbo, uso de amprólio, intoxicação por sal concomitante à privação de água e infecção por herpesvírus bovino tipo-5.

É uma das principais doenças neurológicas que acometem os ruminantes, podendo causar grandes prejuízos na produção de bovinos. Tem predominância em animais jovens e bem nutridos e sua ocorrência vem sendo bastante notada nos confinamentos, gerando perdas ao confinador quando o animal não é diagnosticado e tratado rapidamente.

Como grande parte dos animais tratados com essa vitamina apresenta boa recuperação, optou-se por entender melhor o metabolismo e a sua atuação.

A tiamina é uma das vitaminas do complexo B sintetizada no rúmen durante o processo de fermentação realizado pelas bactérias ruminais e, posteriormente, absorvida e metabolizada, não sendo armazenada no organismo. Uma vez absorvida, atua em diferentes vias metabólicas, indo desde a atuação indireta na manutenção e proteção dos neurônios até a participação importante no metabolismo de carboidratos, onde atua como cofator de várias enzimas importantes no Ciclo de Krebs.

dia de embarque de gado nelore no confinamento - vaqueiros conduzindo boiada
Foto: Nelore Estrellita

Neste contexto, por atuar diretamente na síntese de ATP (adesonina trifosfato), a carência de tiamina resulta em diminuição da eficiência da bomba de sódio e potássio, resultando em retenção de sódio, aumentando a pressão osmótica no interior da célula e, consequentemente, alterando o volume celular devido a maior atração de água. Estes distúrbios são responsáveis pelas alterações comportamentais observadas durante a ocorrência da doença, tais como incoordenação motora, isolamento, cegueira, ataxia, bruxismo, tremores musculares, movimentos de pedalagem, pressão da cabeça contra obstáculos e convulsões.

De modo geral, a deficiência de tiamina pode acontecer de duas maneiras: pela menor produção no rúmen ou pela degradação da tiamina a partir do crescimento de bactérias ruminais (Bacillus thiaminollitycus e Clostridium sporogenes) que sintetizam a enzima tiaminase. Ambas as situações parecem ser consequência de alterações no ambiente ruminal que resultam em queda de pH, muitas vezes devido ao uso de dietas com alta inclusão de grãos (amido) associadas a baixa inclusão de fibra efetiva.

É importante ressaltar que os bovinos evoluíram para consumirem alimentos fibrosos (volumoso), que, em sua maioria, apresentam baixos teores de amido, ou seja, são alimentos que mantém o pH ruminal mais próximo da neutralidade, entre 6,5 e 6,8. O uso de dietas mais energéticas, ricas em amido, tem por objetivo promover a aceleração do crescimento do animal e reduzir o ciclo produtivo, tornando não só o animal, mas todo o sistema, mais eficiente.

No entanto, ao utilizar essas dietas mais “quentes” modificamos o metabolismo ruminal e isso pode resultar em distúrbios metabólicos no animal. Por isso a importância de um acompanhamento técnico dentro da produção, principalmente quando os sistemas são mais tecnológicos. E pensando no confinamento, é fundamental fazer uma boa e gradual adaptação nos animais para consumirem a nova dieta. Da mesma maneira, após o período de adaptação, é importante manter um manejo de cocho eficiente e ficar atento à dieta fornecida e à qualidade dos insumos utilizados.

Outra causa bastante comum da ocorrência de polioencefalomalácia é a intoxicação por enxofre, na forma de sulfatos, sulfitos e sulfetos. A intoxicação pode ocorrer via pastagens contaminadas com subprodutos industriais ou fertilizantes ou pelo consumo de água ou de dietas com altos teores de enxofre. O uso de DDG (grãos secos de destilaria) e WDG (grãos úmidos de destilaria) em confinamentos vem aumentando, e esse alimento apresenta em sua composição teores mais elevados de enxofre, por isso é importante ficar atento ao seu nível de inclusão nas dietas.

Uma vez presente na dieta, os sulfatos produzem o gás sulfeto de hidrogênio, o qual possui três caminhos no organismo animal: pode ser destoxificado pela produção microbiana de aminoácidos sulfurosos; eructado ou absorvido pelos epitélios ruminais e intestinais. O excesso desse gás também inibe a atuação de importantes enzimas envolvidas na produção de ATP, resultando em alterações no metabolismo energético do animal, conforme explicado anteriormente. Segundo o NRC (2016) a exigência de enxofre na dieta para bovinos é de 0,15% na matéria seca da dieta total até o limite tolerável de 0,5%.

Por outro lado, a doença também é percebida quando os animais estão em pastejo. Nesses casos, a deficiência de tiamina pode ser resultado da ingestão de plantas que podem sintetizar tiaminases, como a samambaia (Pteridium aquilinum), a cavalinha (Equisetum arvense) e o trevo-de-água (Marsilea drummondii). É recomendável que os animais não tenham acesso a essas plantas, mantendo-os em pastos limpos e sem invasoras.

Com relação ao tratamento, quando a doença é manifestada pela deficiência de tiamina, recomenda-se a aplicação de tiamina e anti-inflamatórios esteroidais. Já quando a causa é por intoxicação por enxofre ou por herpesvírus bovino tipo-5, esse tratamento não é eficaz, sendo recomendado controlar os níveis de enxofre da dieta e eliminar a fonte causadora da intoxicação.

Como últimas recomendações, vale lembrar que dietas altamente energéticas e com pouca fibra efetiva podem levar à acidose ruminal, condição que pode reduzir a síntese e a absorção de tiamina. Sendo assim, é fundamental evitar mudanças bruscas de dieta, principalmente em sistemas de confinamento, além de fazer uma adaptação bem-feita, mantendo o fornecimento adequado de fibra na dieta para diminuir o risco de manifestação da doença.

Em caso de alterações na dieta, a mudança deve ser gradual, a fim de garantir adaptação da população microbiana e manter a produção de ácidos graxos voláteis com menor proliferação de microrganismos produtores de tiaminases. É importante também ficar atento às quantidades adequadas de minerais na dieta dos animais, sendo necessário observar os níveis de sulfetos, acesso à água de qualidade e restrição do acesso a locais contaminados.

Josilaine Lima é zootecnista, doutora em Ciência Animal e consultora técnica da Premix

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