Preços dos alimentos vão aumentar no país, afirma Tereza Cristina

A ministra disse estar preocupada a respeito da alta de alimentos e expôs a questão não menos importante dos bloqueios financeiros que já travam transações financeiras com a Rússia.

Enquanto Brasil é alvo de críticas da comunidade internacional e o presidente Bolsonaro insiste numa posição neutra em relação à guerra na Ucrânia, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, enfatiza que o governo brasileiro condena, sim, a invasão liderada por Vladimir Putin.

Em consequência da guerra, a ministra reconhece que o cenário para o abastecimento de fertilizantes no país é “grave”, “preocupante” e “delicado”, com efeitos negativos sobre os custos da produção agrícola. Mas diz que pretende voltar de uma viagem em breve ao Canadá com sinais concretos das exportadoras privadas daquele país de que poderá haver uma ampliação das vendas de potássio ao Brasil em pelo menos 500 mil toneladas. Ainda assim, admite que os preços dos alimentos no mercado doméstico vão subir, também em virtude da disparada das cotações dos grãos no exterior.

Em entrevista, Tereza também afirmou que ministros do governo vêm demonstrando apreensão com os reflexos da guerra na Ucrânia para a economia brasileira e têm mantido conversas frequentes em busca de eventuais ações para minimizar pressões inflacionárias. Nos últimos dias, ela já conversou com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, que pintou um quadro preocupante a respeito da alta de alimentos e expôs a questão não menos importante dos bloqueios financeiros que já travam transações financeiras com a Rússia.

Tereza também já tratou dos efeitos econômicos da guerra com o ministro Paulo Guedes (Economia), com o chanceler Carlos França e com autoridades dos ministérios de Minas e Energia e Infraestrutura. Em meio ao imbróglio envolvendo a corrida para garantir mais fertilizantes como alternativa à suspensão do comércio com Rússia e Belarus – alvo de sanções desde 2021 -, a ministra se diz favorável ao projeto de lei que permite mineração em terras indígenas. Mas aposta, principalmente, na compra de mais adubo canadense e outros países. Confira os principais trechos da entrevista:

A senhora pintou um quadro mais otimista de que havia um estoque de fertilizantes maior, mas a indústria retrucou que há estoque para apenas para mais três meses. Qual o real quadro?

Tereza Cristina: Mas isso [estimativa da indústria] é se importássemos só de Rússia e Belarus. Temos dados internos aqui, lineup dos navios que estão chegando. A indústria tem um número, mas nós temos o nosso acompanhamento. É claro que é uma preocupação enorme. Não estou aqui pra minimizar o impacto da Rússia e de Belarus não exportando. A situação hoje é delicada. A nossa preocupação é a próxima safra, que começa entre agosto, setembro, outubro.

Então é grave a situação do abastecimento?

Tereza: É grave, envolve 43% das nossas importações de potássio e ureia. Está todo mundo preocupado, mas agora também está muito cedo para se criar um pânico. Ah, vai faltar? Ninguém sabe dizer. Agora, o Plano A é fazer a recomposição que a gente vinha vendo lá de trás, quando não tinha guerra no radar de ninguém. Mas nós tivemos a crise energética, deu problema na China, que teve que desligar várias minas que tiveram que parar, porque precisava ter energia para a população. Todo mundo esquece disso, mas a China também é um grande exportador de fertilizantes pro Brasil. 

E China e Canadá teriam condição imediata de elevar a oferta frente essa demanda?

Tereza: É o que a gente já vinha conversando. Então nos programamos para ir à Rússia, ao Irã e ao Canadá. Já estávamos conversando com o Canadá há mais tempo. Eu já tive uma videoconferência com os exportadores de potássio do Canadá. E com o assunto Rússia-Ucrânia, piorou o cenário, porque além de Belarus agora temos os problemas que virão com essa guerra. E temos vários fatores: o problema do gás com a Europa – vai ser sancionado? Temos o problema do petróleo da Rússia com os Estados Unidos e outros países. Tudo vai depender se esse conflito vai ser curto, longo. E o problema [do fertilizante] é global. A gente tem uma preocupação maior porque o Brasil, ao longo de décadas, escolheu uma política de dependência quase que total de importações. Potássio, importamos 93%. Fósforo, 60%. Nitrogênio é outro problema. No passado era mais barato importar.

E quem consegue vender mais fertilizante para o Brasil hoje?

Tereza: Temos que procurar todos, mas vamos falar do Canadá, que está no nosso foco. A gente vai pra mostrar a necessidade nesse momento, pelo tamanho da nossa agricultura e parceria que temos com esses países de longa data de compra de fertilizantes. Se a gente tiver para a safra de verão 2022/23 ainda o problema na Ucrânia, vamos ter que tentar nos suprir em outros mercados. Antes do conflito, já tínhamos uma conversa com eles [canadenses] para colocarem 500 mil toneladas a mais de oferta para o Brasil, e agora estamos revendo esse número para sentar com eles. E não é o governo que compra, são as empresas brasileiras que precisam ver se vai valer a pena pagar, qual o preço.

O posicionamento neutro do Brasil em relação à guerra não pode afetar essas negociações?

Tereza: Qual foi o momento dos votos do Brasil na ONU? Foi todo ele contra a invasão. O Brasil em hora nenhuma titubeou lá e colocou alguns pontos que realmente precisam ser falados, mas votou sempre contra a invasão. Valor: A sra. defende que a posição do Brasil seja mais firme, como pede a comunidade internacional? Tereza: O Itamaraty fala pelo governo brasileiro. Eu não falo só pelo Ministério da Agricultura. Eu falo pela linha de ação do governo do presidente Bolsonaro. O Brasil sempre foi o país que trabalhou, nas relações internacionais, no equilíbrio, diálogo com todos os países. Não é nem uma posição de neutralidade, é uma posição de equilíbrio. O Brasil sempre foi assim na ONU. Agora, essa indisposição, eu não vejo isso. Vejo que vamos sentar com os exportadores [canadenses], que também têm interesse no Brasil porque têm suas empresas aqui e têm interesse em preservar seu cliente. Estamos fazendo uma diplomacia dos fertilizantes.

Há risco de suspensão da venda de fertilizantes russos agora?

Tereza: Não houve proibição, mas o comércio está suspenso naquela região. Diferentemente do que aconteceu em outras invasões, estamos vendo muitas empresas se antecipando a sanções, antes até dos Estados. Mas temos complicação maior quando os bancos dizem que não vão mais operar com esses países.

Mesmo se forem temporárias as sanções contra a Rússia, há um temor de travar o comércio de fertilizantes?

Tereza: Acho que sim. Na Rússia e Belarus temos muita complicação para comprar deles. Temos que ter alternativas a esses volumes que a gente compra deles, de potássio e ureia. Já tem esse complicador financeiro com a Rússia, porque alguns bancos já foram desconectados do sistema Swift. Fica mais restrito o número de instituições financeiras que estão trabalhando com o país.

Quais outras fontes existem para o potássio?

Tereza: Temos Canadá e Chile. O Brasil tem uma mina em São Gotardo (MG) a céu aberto, que já funciona com um volume, mas que em breve vai anunciar uma expansão, dado o mercado. Outra mina em Sergipe, a mais tradicional do país, tem outra que a Petrobras tem a concessão minerária, mas não tem retorno financeiro. E tem um grande complexo no Amazonas, em Autazes, que ainda tem algumas pendências ambientais. Está a 8 quilômetros de terra indígena. Vai levar até 2025 para o projeto entrar em operação, mas tem capacidade para 200 anos de produção.

Permitir a exploração em terras indígenas seria a alternativa para ampliar a produção de potássio no Brasil?

Tereza: Diferentemente da Ucrânia, dos Estados Unidos, as nossas terras agricultáveis são pobres, e produzimos graças à tecnologia tropical. Para isso, precisamos de fertilizantes. A nossa segurança alimentar está em jogo. Precisamos saber se queremos produzir no Brasil. Tem problema no meio ambiente, com os indígenas? Existe o mecanismo da compensação. É uma decisão que o Estado brasileiro precisa tomar. É decisão que o governo, o Congresso e a sociedade têm que tomar. Eu sou favorável, porque acho que isso é questão de segurança. E hoje existem metodologias de exploração que são muito mais seguras do que tínhamos antigamente. Cuidando da tecnologia, não pode ser qualquer amador, são bilhões de reais que precisamos para colocar essas minas em funcionamento, com uso de tecnologia moderna e segura dentro da sustentabilidade que o mundo exige de todos os negócios.

Existe uma alta generalizada de cereais, trigo, milho, soja. Como a senhora analisa o impacto na inflação?

Tereza: Infelizmente vamos ter preços mais altos nos alimentos. A gente já tinha essa preocupação e agora ela aumenta. O preço a gente não pode mexer muito, na nossa economia de livre mercado. Temos que cuidar do abastecimento, e que cheguem aqui os produtos. O mercado é soberano. A Ucrânia é preocupante, é um grande produtor de grãos, como milho e girassol. Isso vai causar um desarranjo enorme, porque a economia hoje é globalizada. Com a guerra, será que a Ucrânia consegue plantar? A janela é curta, são apenas 50 dias.

Deu tempo de conversar com o presidente do BC, Roberto Campos Neto, sobre esse quadro de inflação?

Tereza: Ele não estava no Brasil, mas conversamos um pouco sobre os efeitos da guerra. Conversei por telefone com o ministro Paulo Guedes. Tive reunião com vários ministros, das Relações Exteriores, a secretária-executiva do MME, falei longamente com o ministro Bento Albuquerque por telefone, e falamos sobre os efeitos da guerra, sobre as nossas atividades que são interligadas. Falei com o ministro Tarcísio. No fim de semana estará todo mundo aqui, vamos sentar juntos. Cada um está com várias ações dentro dos seus ministérios, e vamos sentar e fazer essa discussão. Vamos juntar todas as informações para as medidas que cada um está preparando dentro dos seus ministérios. Com Campos Neto, comentamos sobre os reflexos da retirada dos bancos russos do Swift. Ele está preocupado, todo mundo está preocupado, é evidente.

A senhora também vai pedir a intervenção da FAO, da ONU, para que os fertilizantes não sejam sancionados?

Tereza: Pedimos essa reunião, a FAO aceitou, vai estar presente o diretor-geral da FAO, a Agnes Calibata, que cuida da área de alimentos e fome das Nações Unidas para discutirmos isso. Vão sancionar a Rússia, mas serão sancionados os fertilizantes? Acho que não é justo sancionar o fertilizante quando ele é fundamental para fazer comida. Dá com uma mão e tira na outra?

Fonte: Valor Econômico

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