Quais são as principais fraudes em leite?

“Fraude alimentar é um termo coletivo usado para abranger a substituição, adição, adulteração ou deturpação deliberada e intencional de alimentos, ingredientes alimentares ou embalagens de alimentos.”

A fraude em alimentos é um assunto recorrente e de grande importância, visto que tem impacto relevante na credibilidade de empresas, na saúde pública e na segurança dos consumidores. Quando pensamos em fraude em leite e derivados, a preocupação é ainda maior, já que os produtos lácteos são reconhecidamente importantes para a nutrição humana.

Desta forma, é importante abordar o assunto, promovendo conhecimento e discussão, para que todos os personagens do cenário lácteo possam combater essa atitude, que felizmente, não é praticada por muitos, mas pode prejudicar o setor. Por isso, neste artigo, iremos falar sobre as principais fraudes em leite e derivados.

Para começarmos, é preciso definir o que é fraude. Para Spink e Moyer (2011, p. 158), “fraude alimentar é um termo coletivo usado para abranger a substituição, adição, adulteração ou deturpação deliberada e intencional de alimentos, ingredientes alimentares ou embalagens de alimentos; ou declarações falsas, ou enganosas feitas sobre um produto, para ganho econômico”. A Iniciativa Global de Segurança Alimentar (GFSI – Global Food Safety Initiative, em inglês) categorizou, em 2018, a fraude alimentar em sete ações, como mostrado na Figura 1.

Figura 1. Categorias de fraude alimentar segundo a GFSI.

fraudes em leite
Fonte: adaptado de GFSI (2018).

Como exemplos das categorias de fraude, pode-se citar (GFSI, 2018):

  • Diluição: adição de água em leite; adição de óleo de soja em azeite de oliva;
  • Ocultação: aplicação de corantes perigosos a frutas para cobrir defeitos;
  • Substituição: substituição parcial de óleo de girassol por óleo mineral, substituição de leite de outra espécie por leite de vaca;
  • Rotulagem incorreta: adulteração do vencimento, da origem e dos ingredientes do produto;
  •  Falsificação: cópias de produtos populares produzidas em condições inseguras;
  • Roubo/desvio: venda de produto em excesso não declarado;
  • Aprimoramentos não aprovados: adição de melamina para aumentar valor proteico em leite fraudado com adição de água.

O leite é um dos alimentos alvos de fraudes (Comissão Europeia, 2022), sendo a adição de água uma das formas comuns de fraude. O Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA) considera fraude em leite quando este for adicionado de água, substâncias conservadoras ou quaisquer elementos estranhos à sua composição, sofrer subtração de qualquer um de seus constituintes ou for exposto ao consumo sem a devida qualidade ou identidade do produto (BRASIL, 2020).

Muitas vezes, não é fácil detectar as fraudes, entretanto, órgãos de fiscalização e pesquisadores buscam constantemente o aprimoramento de técnicas de detecção de diferentes tipos de fraude para que o leite e seus derivados cheguem ao consumidor nas condições adequadas ao consumo.

Principais fraudes no leite e métodos de detecção

Entre as principais fraudes em leite, podem ser citadas:

  • Adição de água;
  • Adição de conservantes;
  • Adição de neutralizantes;
  • Adição de soro de leite.

Adição de água

Adicionar água é a principal ação fraudulenta aplicada ao leite, tendo como objetivo aumentar seu volume e, assim, aumentar o lucro de sua venda. O principal problema da adição de água ao leite incorre na diluição dos constituintes do leite, como proteínas, gorduras, lactose, vitaminas e sais minerais.

A simples adição de água ao leite é facilmente detectável em análises de rotina de laboratórios de controle de qualidade, uma vez que a densidade do leite é reduzida e o ponto de congelamento é aumentado, sendo tais variações detectadas em análises de densidade e crioscopia.

A densidade é uma relação entre a massa e o volume (densidade = massa/volume), e a densidade do leite varia entre 1,028 a 1,034 g/cm³. Valores de densidade abaixo do mínimo indicam a adição de água no leite, problemas na saúde dos animais ou nutricionais, enquanto medições acima do máximo indicam desnate ou adição de algum produto reconstituinte.

A análise de crioscopia corresponde à medição do ponto de congelamento da água que constitui naturalmente o leite, ou seja, água + lactose + sais. O ponto de congelamento da água do leite fica em torno de -0,512 a -0,536 ºC. Quando o leite é fraudado com água, esse valor se aproxima de 0 ºC, que é o ponto de congelamento da água pura (BRITO et al., 2021; BRASIL, 2019).

Dessa forma, a adição de água dificilmente ocorre de forma isolada, e a adição de reconstituintes, como sal, açúcar, álcool, citrato e amido, são geralmente adicionados para reduzir ou eliminar a variação na densidade e ponto de congelamento. Importante destacar que a própria adição desses reconstituintes também caracteriza fraude.

Adição de conservantes

A presença de cloro, hipoclorito de sódio e peróxido de hidrogênio em leite pode caracterizar fraude, especialmente quando se tratar de produto que não é utilizado na higienização de equipamentos ou utensílios, confirmando a adição intencional do composto ao leite. Nesse caso, a fraude é realizada a fim de reduzir ou eliminar a contagem de microrganismos no leite e prevenir sua multiplicação e possíveis alterações, o que pode aumentar a vida útil do produto.

detecção de cloro ou hipoclorito de sódio no leite é baseada na identificação de iodo livre formado por meio de reação entre iodeto de potássio adicionado e o cloro livre ou hipoclorito de sódio presente na amostra, o que resulta em uma coloração amarela, que é o indicador da fraude (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 2008).

teste para detecção de peróxido de hidrogênio é baseado na reação do peróxido de hidrogênio com o guaiacol. A enzima peroxidase, naturalmente presente no leite, libera oxigênio ao hidrolisar o peróxido de hidrogênio e, assim, há alteração da coloração do guaiacol para salmão, confirmando a presença de peróxido de hidrogênio e, portanto, da fraude. No caso da presença do formaldeído (BRASIL, 2019).

Adição de neutralizantes

São consideradas substâncias neutralizantes utilizadas em fraudes de leite o bicarbonato de sódio, o óxido de cálcio e o hidróxido de sódio. A adição intencional desses produtos visa reduzir a acidez do leite devido ao ácido lático produzido por microrganismos, ou seja, essa fraude mascara a má qualidade microbiológica do leite.

Para detecção de carbonato ou bicarbonato de sódio, é realizada análise por meio do uso do indicador fenolftaleína, em que a alteração da coloração para rósea indica a presença de carbonatos (INSTITUTO ADOLFO LUTZ, 2008).

Adição de soro de leite

Eis uma das fraudes de mais difícil detecção. Análises rotineiras de laboratório não são capazes de detectar a adição de soro no leite, sendo necessárias análises de detecção de moléculas específicas do soro, como o glicomacropeptídeo (GMP). O método físico-químico oficial de detecção da presença de GMP é o índice de GMP.

GMP é um peptídeo específico encontrado no soro de queijo, e seu resultado é expresso em concentração de GMP, em mg/L. O teste se baseia na detecção e quantificação do peptídeo proveniente da ação proteolítica da quimosina sobre a kappa-caseína em uma das etapas de coagulação do leite na produção de queijos; a análise é feita por meio de cromatografia líquida de alta eficiência com separação em coluna de filtração em gel e detecção em ultravioleta (BRASIL, 2019). É importante ressaltar que a adição de soro em produtos lácteos e outros alimentos, desde que seja declarada na lista de ingredientes, não caracteriza fraude.

Desafios para o setor

A prática de fraudes, independentemente do tipo e do ponto da cadeia em que ocorre, representa um grande desafio para o setor como um todo, visto que leva à perda de credibilidade do produto. Investir no desenvolvimento de tecnologias sensíveis e rápidas pode ser um caminho interessante.

Por exemplo, a utilização de cromatografias, calorimetrias, espectroscopias, dentre outras são bem-vindas e auxiliam na detecção rápida de fraudes. Entretanto, uma dificuldade a ser vencida neste sentido é a necessidade de investimento em equipamentos, além dos custos de manutenção e aqueles relacionados à contratação de recursos humanos específicos para condução das análises e interpretação dos resultados.

Outra abordagem para controle pode ser o desenvolvimento de sensores simples, reprodutíveis e rápidos, acessíveis desde os produtores até os consumidores. Mas talvez o principal e mais efetivo ponto a ser trabalhado é o investimento na conscientização de todos os atores da cadeia de lácteos. Desta forma, seria possível eliminar a prática de fraudes e, consequentemente, todas as implicações negativas para o setor e para os consumidores.

Atingir essa condição pode não ser fácil, mas também não é impossível… Uma coisa é certa: o primeiro passo para eliminar as fraudes do leite (e de todos os alimentos) certamente é o conhecimento… E nada melhor para aprender discutir sobre o assunto!

Fonte: MilkPoint

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