Investimento da pecuária vai do ‘luftal do boi’ ao carbono

Frigoríficos e empresas do setor agropecuário têm aumentado a produtividade, modificando insumos e agregando inovação para terem uma operação mais sustentável.

Maior exportador de carne bovina do mundo, o Brasil vem sendo pressionado nos últimos anos a diminuir sua pegada de carbono na agropecuária, especialmente em razão da produção de gás metano, um dos que mais comprometem a camada de ozônio. Durante a COP26, o país aderiu ao acordo que prevê reduzir em 30% as emissões globais de metano até 2030.

Para contribuir com a meta, frigoríficos e empresas do setor agropecuário têm aumentado a produtividade, modificando insumos e agregando inovação para terem uma operação mais sustentável. Sem cheiro, sem cor e invisível, o metano é um dos gases que mais impulsionam o aquecimento global, com potencial de aquecimento na atmosfera 28 vezes maior que o CO2 (gás carbônico).

Ao contrário de outros países, o Brasil registrou aumento da quantidade de emissões de gases do efeito estufa, entre eles, o metano, durante a pandemia. O indicador cresceu 9,5% em 2020, a maior alta desde 2006, aponta o SEEG (Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa), do Observatório do Clima.

Os números negativos foram puxados pelo desmatamento ilegal, responsável por 46% das emissões, e pela agropecuária, com 27%, somando 577 milhões de toneladas de CO2 equivalente em 2020. Do total, 373 milhões de toneladas (65%) vêm da fermentação entérica, processo digestivo do gado, que é mais conhecido como “arroto de boi”. O volume representa alta de 1,5% em relação a 2019.

É a fermentação entérica que impulsiona a emissão do gás no campo. O crescimento do rebanho no Brasil, que chegou a 218,2 milhões de cabeças de gado em 2020, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aprofunda a emissão de metano pelo setor.

No fim do ano passado, durante a COP26, a holandesa DSM, líder em nutrição animal na América Latina, firmou um acordo com a processadora de carnes JBS para implementar um projeto-piloto que utiliza um novo aditivo para rações, o Bovaer. Ele reduz as emissões de metano por conter uma molécula capaz de quebrar uma enzima que bois produzem ao ruminar, impedindo, assim, a formação do gás.

Desenvolvido durante 10 anos pela companhia, o suplemento pode diminuir em até 90% as emissões no gado de corte, de acordo com a DSM, com a utilização de um quarto de colher de chá do aditivo na ração. Em uma criação da JBS em Rio Brilhante (MS), 30 mil bovinos confinados passaram a utilizar o Bovaer. A parceria com a JBS pode contribuir para o setor diminuir sua pegada, avalia o presidente da DSM para a América Latina, Maurício Adade. “Não existe solução única, uma bala de prata, mas todos os projetos vão se somando”, afirma o executivo.

Países da América do Sul têm potencial de geração de carbono de 30 milhões de toneladas/ano na agropecuária em um cenário de maturação do mercado, conforme diz a Biofílica, subsidiária da Ambipar especializada em projetos ambientais. A empresa recentemente firmou um protocolo de intenções com o frigorífico Minerva Foods para a criação de uma jointventure.

A nova empresa, cujo modelo de atuação ainda está em uma etapa de planejamento, deverá operar em países como Argentina, Paraguai, Colômbia e Uruguai, onde a Minerva tem presença e é líder na exportação de carne bovina. No Brasil, o frigorífico já possui uma parceria para geração de créditos com a Biofílica. Agora, ambas vão atuar em conjunto fora do país para incremento de produtividade, manejo sustentável e educação no campo para a posterior certificação e geração de créditos de carbono a partir desses projetos.

“Não existe cadeia mais importante hoje no Brasil e na América do Sul do que a pecuária, porque é onde está a totalidade das pastagens degradadas, que são os grandes emissores de carbono e de metano. No momento em que as pastagens virarem sequestradores de carbono, você aumenta produtividade”, analisa o CEO da Biofílica, Plínio Ribeiro.

A Minerva tem interesse na parceria com a Biofílica para chegar à compensação de emissões de carbono no escopo 3, no qual as companhias têm responsabilidade indireta pelos gases emitidos em suas cadeias de fornecedores – nos escopos 1 e 2, as reduções ocorrem apenas dentro das empresas. O frigorífico pretende zerar suas emissões líquidas de carbono em 13 anos (até 2035). No ano passado, lançou um plano de descarbonização que prevê um investimento de R$ 1,5 bilhão para o rastreamento do gado, inclusive em fornecedores indiretos, e também monitoramento do desmatamento.

Para Carlo Pereira, secretário-executivo do Rede Brasil do Pacto Global, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), empresas do segmento precisam abarcar o escopo 3 em suas metas. “Não é possível falarmos em metas de redução hoje se elas não alcançarem o escopo 3. Não cabe mais divulgar metas atingindo apenas escopos 1 e 2”, argumenta Pereira. Ele observa que as lideranças das grandes empresas do segmento estão ativas nessa pauta – cita como exemplo a presença de gigantes do setor na COP26 -, mas aponta a necessidade de engajamento do Executivo, especialmente no cumprimento da meta de redução do metano.

“Como o governo é signatário, deveria tomar ações para que os resultados venham. Boa parte da produção de metano vem das empresas, mas quem assinou o acordo foi o país, o governo federal”, afirma o secretário executivo. “O acordo assinado não vai gerar uma eventual sanção [em caso de não cumprimento], no entanto, os países estarão sendo muito pressionados. No Brasil, o governo que assumir no ano que vem estará muito pressionado”, completa Pereira.

Fonte: Valor Econômico

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