Pecuaristas provam que pecuária ‘sequestra’ carbono

Fazendas participantes tocam projetos com Embrapa e empresas do setor para tornar a atividade cada vez mais sustentável

Em tempos de pressão internacional por um Brasil mais atuante na área ambiental, um movimento de produtores localizados em uma das áreas de floresta mais importantes de Mato Grosso comprova que a pecuária pode não só ser sustentável como contribuir fortemente para o sequestro e a redução dos gases do efeito estufa (GEE).

A Liga do Araguaia, movimento nascido em 2014 no Vale do Araguaia, na divisa com Goiás, reúne 63 fazendas com 149 mil hectares de pasto e rebanho bovino de corte de 130 mil cabeças. O objetivo do grupo é a realização de projetos que resultem em diferenciação dos produtores da região e em agregação de valor à carne, por intermédio da implementação de práticas de pecuária sustentável.

Desde 2015, seis projetos em parceria com a Embrapa e grandes empresas do setor de carnes foram idealizados, sendo dois já concluídos, um terceiro em fase final e três em andamento.

O coordenador executivo da Liga do Araguaia, José Carlos Pedreira de Freitas, exemplifica: “Sabemos que uma pastagem intensificada (com pasto reformado e com capacidade de alimentar mais animais por área) remove mais carbono da atmosfera do que um pasto degradado. Mas quanto? Teremos essa resposta em breve”, diz ele, referindo-se ao projeto “Carbono Araguaia”, um dos primeiros da Liga, iniciado em 2015 e que deve estar concluído até janeiro de 2021.

Para o pesquisador Eduardo Assad, da Embrapa Informática Agropecuária, os projetos tocados na Liga do Araguaia – dos quais ele participa – são super importantes, na medida em que mostrarão caminhos para se ter um conhecimento mais efetivo sobre o carbono no solo, sobretudo em pastagens. “O que precisamos? De pontos de referência. E as fazendas da Liga são uma referência; são 82.000 hectares no projeto Carbono Araguaia”, cita, e continua: “Talvez seja o maior projeto de acompanhamento de propriedades privadas no que diz respeito a como boas práticas podem melhorar a intensificação da pecuária. E, para intensificar, é preciso ter mais carbono no solo”, diz ele.

O pesquisador – que também é membro do comitê científico do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas – explica, por exemplo, que um pasto degradado emite cerca de 3 mil quilos de gás carbônico (CO²) equivalente por ano, 66% mais do que emite um bovino adulto na forma de metano (expelido pelo “arroto”) e óxido nitroso (emitido através de urina e fezes). “Como em pastos degradados não existe muita proteção no solo, não há retenção de CO² e a emissão fica maior. Já um pasto recuperado não só deixa de emitir gases do efeito estufa como sequestra 3,66 toneladas de CO² equivalente por ano”, explica o pesquisador da Embrapa.

Várias práticas

Pedreira acrescenta que pecuária sustentável é um conjunto de práticas e que a mitigação de gases do efeito estufa é apenas uma delas. “Uso de integração lavoura-pecuária, integração lavoura-pecuária-floresta, bem-estar animal, regularização ambiental são outros conceitos utilizados pela Liga.”

Sob este aspecto, mais um projeto – o primeiro deles e já concluído – trouxe resultados bastante satisfatórios, o “Campos do Araguaia”, cujo principal objetivo era a preservação e a regularização ambiental das fazendas.

Iniciado em 2015 e finalizado em 2017, deixou a marca de 44 mil hectares de pastos recuperados e intensificados em 36 propriedades, representando quase 30% da área total das fazendas da Liga. Além disso, foram mantidos intocados 38 mil hectares de florestas em áreas de Reserva Legal e 9.500 ha de áreas de preservação permanente (APPs). Recuperaram-se também 3.286 hectares de APPs desmatadas.

“Este é o grande legado desse projeto: não só evitou que se desmatasse mais, como recuperou parte das APPs e intensificou uma grande área de pastos”, diz Pedreira, lembrando ainda que as propriedades, localizadas no Médio Araguaia, bioma Cerrado, têm como exigência do Código Florestal a manutenção de mata em 35% da área da propriedade.

Em parceria com a JBS/Friboi, a Liga do Araguaia foca também na redução da idade de abate – o que, por tabela, contribui para a menor emissão de gases do efeito estufa, já que o bovino passa menos tempo no pasto emitindo metano. No âmbito do projeto “Rebanho Araguaia”, a JBS/Friboi, que possui 12 frigoríficos na região do Médio Araguaia, firmou parceria com 13 fazendas da Liba e deve agregar 10 propriedades a cada ano dos três de duração do projeto. A companhia não esconde que o principal mercado visado para os animais abatidos dentro do Rebanho Araguaia é o da China, principal importador de carne do Brasil, que tem como exigência comprar carne de animais com no máximo 30 meses de idade.

Gestão e ambiente

O projeto contempla também práticas de melhor gestão da atividade, para maior profissionalização dos pecuaristas e também intensificação de pastagens, seja por meio de adubação das áreas ou integração com lavouras.

Assad, da Embrapa, confirma a menor emissão de gases do efeito estufa também neste projeto. “Além da qualidade melhor da carne proveniente de um animal mais jovem”, afirma. “Como os chineses são um dos maiores emissores de gases de efeito estufa, buscam compensação em outros setores”, diz.

Criador que formou a Liga recuperou 2,2 mil ha de pasto

O idealizador da Liga da Araguaia foi o pecuarista Caio Penido que, inconformado com a má imagem da atividade, resolveu reunir seus pares no Médio Araguaia. Depois de muitas reuniões, a Liga foi criada no fim de 2014. Sua Fazenda Água Viva, em Cocalinho (MT), virou referência. “Na agropecuária tropical é possível recuperar áreas degradadas, aumentar a lotação do gado, reduzir a idade de abate e manter um bom estoque de CO2 no solo sem desmatar.” A própria Água Viva recuperou 75% de um total de quase 3 mil hectares de pastos degradados. Pôde, assim, alojar mais animais por área, o que permitiu ampliar o rebanho de 1.779 para 3.453 cabeças.

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