Provas equestres: Sertanejo luta pela preservação da sua cultura

O rodeio e as provas equestres à luz do direito: Entenda a constitucionalidade das provas, sua importância cultural e impacto socioeconômico no Brasil

Breve contexto histórico – O rodeio e as provas equestres são práticas esportivas que retratam a vida no campo. A palavra “rodeio” vem do verbo “rodear”, expressão usada pelos boiadeiros para designar o ato de reunir o gado para um fim específico. No Brasil, o rodeio surgiu na cidade paulista de Barretos. Tudo começou porque o município tinha a pecuária como principal atividade econômica, sendo que os “corredores boiadeiros”, principais vias de transporte de gado entre um estado e outro, passando obrigatoriamente pelo local.

Então, os peões dessas comitivas, costumeiramente, reuniam os animais no “pouso de boiada” para descansarem antes de seguir viagem e aproveitavam para colocar suas habilidades a prova, resultando no primeiro rodeio do país, realizado dentro de um cercado com arquibancadas, na praça central da cidade, em uma quermesse realizada pela Prefeitura Municipal de Barretos.

Com o rodeio, foram surgindo as provas equestres, que já existiam nos Estados Unidos, como as modalidades de três tambores, laço de bezerro, laço em dupla, apartação, team penning, bulldog, entre outras.

Apesar da origem americana, no Brasil existem provas mais regionalizadas, como a vaquejada (norte/nordeste) e o laço cumprido (Mato Grosso do Sul). Além disso, o cutiano (montaria em cavalos) também é uma modalidade brasileira. Inclusive grandes artistas da música brasileira são amantes dos esportes equestres, cada um com sua raça preferida, Mano Walter e Wesley Safadão na Vaquejada, Eduardo Costa no Mangalarga Marchador e Sorocaba com as competições de rédeas.

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Foto: Olímpia Souza / Arquivo pessoal

Logo, é evidente que faz parte da nossa cultura sertaneja.

Nesse contexto, o rodeio e as provas equestres foram regulamentados há tempos pelas Leis 10.220/2001 e 10.519/2002. A Lei n. 10.220/01 equiparou o peão de rodeio a atleta profissional, sendo que a Lei 10.519/02, por sua vez, instituiu normas a serem observadas na promoção e fiscalização da defesa sanitária animal no momento da realização dos eventos.

Para garantir proteção aos animais, que são as grandes estrelas desse esporte, a Lei 10.519 exigiu dos organizadores a contratação de médico veterinário habilitado, que será responsável pela garantia da boa condição física e sanitária dos animais, impedindo maus tratos e injúrias de qualquer ordem.

Outra preocupação da referida lei é a qualidade do transporte desses animais, que deverá ocorrer em veículos apropriados e confortáveis. Durante a permanência dos animais no evento, também é obrigatória infraestrutura que garanta a integridade física deles durante sua chegada, acomodação e alimentação.

Logo, não é de hoje que a legislação vem se preocupando em regularizar essa prática que cresceu, e ainda cresce, exponencialmente em nosso país. No dia 07/06/2017, foi publicada a Emenda Constitucional n. 96/2017, a qual acrescentou o §7º ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988, para determinar que as práticas desportivas que utilizem animais não são consideradas cruéis.

Observe-se o dispositivo da nossa Constituição Federal:

Art. 225. (…)
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos. (grifo nosso)

Então, mais recentemente, no ano de 2019, foi sancionada a Lei 13.873/19 (alterou a Lei 13.364/16), que reconheceu o rodeio, a vaquejada e o laço como patrimônio cultural brasileiro de natureza imaterial, sendo atividades intrinsicamente ligadas à vida, à identidade, à ação e a memória de grupos formadores da sociedade brasileira, o povo sertanejo. Tal lei determina, ainda, que deverão ser aprovados regulamentos específicos para as provas equestres, por suas respectivas associações, no Ministério da Agricultura.

Dessa forma, o respeito ao bem-estar animal é objeto de fiscalização pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Decreto n. 9.975/2019).

Ocorre que, mesmo com todo esse respaldo nas Leis e na Constituição Federal, não são raras decisões judiciais conflitantes, como o recente julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que proibiu provas de laço na cidade de Avaré. Vocês devem estar se perguntando porque isso acontece, já que existem várias leis autorizando o esporte em questão.

Pois bem.

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Foto: ABQM

As pessoas e os magistrados, quando formam um juízo de valor e interpretam uma norma, são influenciados, muitas vezes, por sentimentos e por sua experiência de vida. Daí porque surgem decisões tão divergentes sobre um mesmo tema.

É sabido que o índice de acidentes em animais no rodeio e nas provas equestres é extremamente baixo. Sabe-se também que muitas pessoas dependem diretamente dessas práticas para garantir a sua sobrevivência e de seus familiares. É importante ressaltar que atualmente o setor movimenta R$ 16 bilhões por ano e emprega 3 milhões de pessoas, nas áreas de produtos veterinários e laboratoriais, exposições, reproduções, transferências de embriões, leilões e feiras.

Restou demonstrado, ainda, que a legislação pátria permite tais atividades, que deveriam ser consideradas, em regra, legais e constitucionais.

Porém, as divergências nas decisões judiciais circundam o artigo 225, §1º, inciso VII, da Constituição Federal de 1988, que veda a prática de crueldade com os animais. O termo “crueldade” é muito subjetivo e pessoal, de modo que essa abstração pode ser um dos motivos de diversas decisões judiciais conflitantes.

Divergências nas pesquisas

Ao realizar pesquisas, pude perceber que também existem divergências entre laudos técnicos de Universidades conceituadas como USP e UNESP. Nesse sentido, chama a atenção o fato de que algumas universidades de grandes centros urbanos concluem pela existência de maus-tratos, ao passo que, universidades do interior afirmam a inexistência de qualquer agressão aos animais.

Também pude notar que a maioria das pessoas que são contra os rodeios e as provas equestres, não são provenientes das áreas rurais, sendo que, muitas, sequer já tiveram um contato mínimo com o dia-a-dia do campo. Dificilmente, pessoas criadas na fazenda ou com essa vivência rural, concordam com a existência de crueldade animal nas competições equestres. Mesmo porque, conhecem o cotidiano dos bovinos e equinos na lida da fazenda e entendem que as provas equestres são o retrato de um trabalho necessário para alimentar a nação e a identidade do boiadeiro.

Concluindo, há muitos pontos para tratarmos a esse respeito e, como se trata de sentimento humano em relação a outro ser vivo, sempre vai existir discussão e militância. Assim, reforço que deveria ser imprescindível que os julgadores conhecessem a rotina desses animais e olhassem as diferenças entre eles e aqueles comuns, que não são “atletas”.

Desta maneira, a meu ver, muitas pessoas olham os esportes equestres com um viés ideológico ou com carga de regionalismo, e não sob o prisma legal, jurídico e técnico.

Portanto, entendo que não é acertada a proibição desses eventos rurais que têm crescido tanto no país e integram a cultura nacional. Todavia, vale ressaltar, que é de extrema importância sempre buscar melhores condições de tratamento para os animais e verificar se o esporte vem sendo praticado com seriedade e responsabilidade, afinal, existem pessoas com índoles diferentes envolvidas em todas as atividades e seria revoltante e desastroso se as “estrelas” das arenas fossem submetidas a atrocidades. E quem menos deve desejar isso é o criador e o competidor.

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